Estante da Sala

Figurino: Três Homens em Conflito – construção de arquétipos

Texto originalmente publicado na coluna Vestindo o Filme em 07/05/2014.

 

Três Homens em Conflito (The Good, The Bad and The Ugly) é o terceiro filme da Trilogia dos Dólares, dirigida por Sergio Leone, que também inclui Por um Punhado de Dólares e Por uns Dólares a Mais, todos protagonizados pelo chamado Homem Sem Nome. Como muitos filmes do gênero western, este explora largamente o uso de arquétipos muito bem definidos e o figurino de Carlo Simi busca destacá-los.
No inóspito oeste americano, a paisagem árida e pouco receptiva serve de alegoria para o que se passa na mente dos protagonistas. O ser humano colocado contra o meio ambiente na verdade reflete o ser humano contra ele mesmo. Os longos silêncios, pontuados pela bela trilha sonora de Ennio Morricone, demonstram que suas ações pouco necessitam de palavras.
Dessa forma, somos apresentados primeiramente a Angel Eyes (o “mal” do título original, interpretado por Lee Van Cleef), que de forma bastante significativa utiliza um chapéu preto e uma jaqueta encerada suja, além de uma espécie de echarpe branca.

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Já seu contraponto, apelidado de Blondie (o “bom”, interpretado por Clint Eastwood), aparece pela primeira vez de costas, utilizando um sobretudo claro e bastante limpo, em contrate com os demais homens da cena. Além disso o chapéu branco e a echarpe preta o colocam claramente em oposição ao outro.

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Trata-se de homens não só sem nome, mas sem passado e sem uma história que lhes sustentem as ações que transcorrem em tela, que aparecem motivadas pela recompensa mais imediata: o dinheiro.
A ética de Tuco (o “feio”, interpretado por Eli Wallach) oscila conforma sua conveniência. Ele aparece ao ser capturado por Blondie, no que depois se revelou ser um esquema para dividir o prêmio que estava sendo oferecido por ele. Veste colete de lã e camisa suja. Posteriormente trocará esta roupa por um poncho esfarrapado e uma camisa em mau estado. Sempre se apresenta de maneira desconjuntada, ao contrário dos outros dois protagonistas, que, se não limpos, pelo menos vestem trajes bem cortados.

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É interessante notar que em meio a tanta devastação, encontra-se certa vaidade expressa nas escolhas das vestimentas dos personagens. A estampa da camisa de Blondie é um exemplo, parecendo quase extravagante nesse contexto em que há pouca diversidade de cores nos trajes, de maneira que textura é essencial para criar variação visual.

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Chapéus com borlas em franja de certos pistoleiros e mesmo esporas bem polidas (e sugestivamente enquadradas) podem-se somar à lista.

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A partir de meados da trama, Blondie passa a vestir um colete de pele de carneiro, sobre o qual posteriormente acrescenta um sobretudo simples. Ao se deparar com um rapaz morrendo, ferido na Guerra da Secessão, o cobre com o casaco para trazer um pouco de calor aos seus últimos minutos. Blondie reflete que nunca viu homens tão desperdiçados como na guerra. Chama a atenção esse comentário, vindo do código de honra de um pistoleiro e caçador de recompensas. Ele esboça um movimento para pegar o casaco de volta, mas opta por deixá-lo com o rapaz. Esse momento é uma clara demonstração de empatia e até mesmo bondade por parte dele, embora bondade nesse lugar seja relativizada. Ele jamais pode ser visto como um mocinho convencional, mas ao abrir mão de uma peça de sua roupa, demonstra ainda ser capaz de se comover.

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Os três personagens voltam a se encontrar ao final: Tuco portando trajes rasgados, dignos de sua ética dúbia, enquanto Angel Eyes e Blondie estão novamente limpos, mas com uma diferença: este último agora passa a usar um poncho, que acaba por remeter diretamente às roupas usadas pelo Homem Sem Nome nos outros dois filmes da trilogia e compor a aparência mais icônica do personagem.

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Três Homens em Conflito é um clássico do western e, como a maior parte dos filmes do gênero, tece sua trama em torno de elementos específicos que se repetem. Embora a moralidade dos personagens possa ser questionada, não é raro ver mocinhos e vilões serem identificados de forma simples e direta através da cor de seus chapéus. Aqui não se foge a essa diretriz, mas vemos certas alterações e desenvolvimentos, especialmente de Blondie. Leone gosta de closes e por isso detalhes das vestimentas são sempre trazidos para perto do espectador. Apesar de não ter uma grande variedade de roupas apresentadas, trata-se de um filme com estética icônica e trajes competentes na construção dos arquétipos que os vestem.

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