Estante da Sala

Livro: Deuses Americanos, de Neil Gaiman

Tenho por Neil Gaiman um grande apreço, já que Sandman é uma das obras literárias mais fantásticas que já tive o prazer de ler, e trata-se “apenas” de quadrinhos. Nunca havia lido nenhum de seus romances, mas tinha uma certa expectativa, pois muitas pessoas os recomendavam e gosto do clima dos filmes adaptados de seus livros (Stardust- O Mistério da Estrela e Coraline). Foi assim que resolvi ler Deuses Americanos, um de seus livros mais famosos. Optei pela edição de décimo aniversário, no idioma original e devo dizer que fiquei bastante decepcionada.

O protagonista é Shadow, um homem que sai da cadeia apenas para descobrir que sua esposa faleceu e que está sozinho no mundo. Wednesday, um senhor mais velho, oferece-lhe a chance de trabalhar para ele como motorista, segurança e faz tudo. Acontece que como o nome já indica, Wednesday é Odin, o deus maior da mitologia nórdica. Shadow aceita tal fato prontamente. O mundo está em conflito: os deuses antigos procuram por espaço e tentam se manter adorados, pois dependem da crença em sua existência para continuarem vivendo. Novos deuses estão surgindo e tomando seu lugar: deuses de mídia, de dinheiro, de internet.

Aí fica uma pergunta: o que Gaiman pretende com essa premissa? Deveríamos ter pena dos deuses do passado? E veja que ele não tem coragem suficiente para colocar Yahveh ou seu filho-carpinteiro entre as demais divindades míticas. Por outro lado, o que ele apresenta como o contraponto moderno a essas formas de religiosidade não funciona dessa forma. Não há rituais, nem sacrifícios, nem preces à internet, à mídia e ao dinheiro. Talvez haja uma dependência em alguns momentos a alguns deles, mas isso também ocorre em relação a outros itens do nosso cotidiano e nem por isso eles são literalmente endeusados.

A trama do livro é bastante diluída. Várias vezes ao ser perguntada em que parte eu estava, tive dificuldade de especificar, pois a maior parte do tempo quase nada estava acontecendo na história. Mas o pior não é isso, é a total ausência de caracterização e desenvolvimento dos personagens. Todos eles são calados, sérios, pragmáticos, levemente misantropos e sem nada que os diferenciem psicologicamente. Saber fazer truques de mágica com moedas não é criação de personalidade na escrita. Por isso, quando eventualmente um ou outro morrem, não há o que sentir a respeito, visto que não os conhecemos ao longo das 560 páginas do livro. É muito texto para pouca definição. Em Sandman, Gaiman também lida com entidades mitológicas, mas elas são personalizadas, individualizadas e você passa, ao longo da trama, a entendê-las.

A escrita de Gaiman é rebuscada e bonita. Os contos que abrem capítulos, que relatam a chegada de diversos deuses às terras americanas, são interessantes. Um ou dois são verdadeiramente lindos. Mas em geral, eles não se conectam com o restante da narrativa e parecem tornar a leitura mais lenta.

Dizem que o livro será adaptado para um série de televisão. Pode ser que isso beneficie a história, pois uma boa adaptação pode adicionar camadas de personalidade a esses personagens tão bidimensionais e aproveitar-se da premissa, que é realmente boa. Deuses Americano mostrou-se um livro excessivamente prolixo para o pouco retorno emocional que promove.

american gods

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