Estante da Sala

Jane Eyre e suas adaptações

Esse mês o livro escolhido para leitura e conversa no Grupo de Leitura do Feito por Elas foi Jane Eyre, de Charlotte Brontë. Ele é um dos meus preferidos da vida e eu poderia ter participado dos debates informalmente, mas optei por relê-lo. E uma vez tendo feito isso, resolvi, talvez obcecadamente, ver algumas de suas adaptações audiovisuais. Nesse texto contarei um pouco de minhas impressões.

Começando pelo livro: que leitura maravilhosa! Jane Eyre, a protagonista que dá nome à trama, é uma garota órfã de 10 anos que é enviada pela esposa de seu falecido tio para um internato de caridade para meninas sem posses. Cresce em meio aos maus tratos e perde Helen, sua melhor amiga. Em 6 anos conclui seus estudos e pelos 2 anos seguintes trabalha como professora na instituição. Então resolve que chegou a hora de partir e anuncia em um jornal estar livre para o trabalho de preceptora. Recebe uma resposta, da Sra. Fairfax, governanta de Thornfield Hall, que a quer como professora da pequena Adèle Varins, tutelada por seu patrão, Sr. Edward Fairfax Rochester. Jane, que tem o que é repetidamente chamado de “rosto comum”, é bastante centrada e independente. A aparência eventualmente é destacada como um elemento de incômodo da protagonista:

I sometimes regretted that I was not handsomer: I sometimes wished to have rosy cheeks, a straight nose, and small cherry mouth; I desired to be tall, stately and finely developed in figure; I felt it a misfortune that I was so little, so pale, and had features so irregular and so marked.

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (p. 84). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

Ela é movida por uma moral bastante própria, que não necessariamente se apega à rigidez das regras sociais, e constantemente reflete sobre a situação das mulheres naquela sociedade e naquele momento.

Women are supposed to be very calm generally: but women feel just as men feel; they need exercise for their faculties, and a field for their efforts as much as their brothers do; they suffer from too rigid a restraint, too absolute a stagnation, precisely as men would suffer; and it is narrow-minded in their more privileged fellow creatures to say that they ought to confine themselves to making puddings and knitting stockings, to playing on the piano and embroidering bags. It is thoughtless to condemn them, or laugh at them, if they seek to do more or learn more than custom has pronounced necessary for their sex.

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (p. 94). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

Por fim, Jane, mesmo encantada pela figura misteriosa de seu patrão, não deixa de perceber também seus defeitos. Ela destaca que ele rejeita a pequena Adèle, provavelmente sua filha, da mesma forma como ela foi rejeitada por sua família. Em suas conversas, não se furta de opinar, mesmo que essa opinião venha em oposição a Rochester. E, claro, constata que apesar da proximidade que se estabelece entre os dois, ele não trata todos com a mesma cortesia.

No, reader: gratitude, and many associations, all pleasurable and genial, made his face the object I best liked to see; his presence in a room was more cheering than the brightest fire. Yet I had not forgotten his faults: indeed, I could not, for he brought them frequently before me. He was proud, sardonic, harsh to inferiority of every description: in my secret soul I knew that his great kindness to me was balanced by unjust severity to many others.

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (p. 126). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

Já ele, descrito como um homem feio, tem um humor difícil e é o pai do, hoje clichê, homem com um passado trágico misterioso que o marcou ™. Um herói byroniano, perfeitamente encaixado no contexto do romantismo, escola em que o livro se encaixa. A relação que se desenvolve entre os dois é muito interessante, em um primeiro momento pela proximidade com que ele traz ela para junto de si desde o começo, apesar da barreira implícita da diferença de classes, mas também porque Jane não se deixa abalar por essa mesma diferença. Os diálogos entre os dois são trocas genuínas, temperados, eventualmente, com um humor ácido que traz leveza a essas interações, apesar das bagagens de cada um. Rochester provoca Jane, como que esperando que ela diga o que sente. A provocação flerta com o cruel quando ele finge cortejar Miss Ingram, uma moça bonita e rica da vizinhança, com quem Jane acredita que ele irá se casar. Até o momento em que ela, não aguentando mais essa situação, despeja sobre ele suas emoções represadas, em um diálogo em que se coloca em pé de igualdade em relação a ele, apesar da diferença de classe, e fala de uma forma que não condiz com as convenções sociais, como ela mesma destaca, mas que representa o que se passa em sua alma. Essa fala culmina na confirmação dos sentimentos de ambos e em um pedido de casamento.

Do you think, because I am poor, obscure, plain, and little, I am soulless and heartless?—You think wrong!—I have as much soul as you—and full as much heart! And if God had gifted me with some beauty, and much wealth, I should have made it as hard for you to leave me, as it is now for me to leave you. I am not talking to you now through the medium of custom, conventionalities, nor even of mortal flesh: it is my spirit that addresses your spirit; just as if both had passed through the grave, and we stood at God’s feet, equal—as we are!”

“As we are!” repeated Mr. Rochester—“so,” he added, enclosing me in his arms, gathering me to his breast, pressing his lips on my lips: “so, Jane!”

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (p. 219). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

(Eu, que ia apenas apresentar brevemente o livro, estou presa em tantos trechos interessantes dessa releitura).

É claro que um romance romântico não poderia existir sem ainda mais tragédia. Na frente do altar Jane descobre que Rochester é casado. Aos 20 anos seu pai providenciou um casamento arranjado com Bertha, uma moça de família rica na Jamaica. O que não havia sido contado para ele é que a mãe dela era interna de uma instituição psiquiátrica e, segundo seu relato, logo ela começou a externar sinais de loucura também. Eu não vou me aprofundar sobre esse aspecto do livro, que é interessantíssimo, porque sei que existe muita gente com mais propriedade e que se debruça sobre a obra para análises melhor elaboradas. O fato que é Rochester mantinha a esposa presa no sótão, aos cuidados de uma empregada. O conceito de “louca no sótão” é usado pela crítica feminista para discutir a literatura escrita por mulheres no século XIX que reproduzia a visão de “monstro” ou “louca” pra algumas personagens mulheres. Hoje é considerado um clichê narrativo, muitas vezes usado para mulheres com comportamentos que fogem de padrões normativos ou para pessoas com deficiência (como o Sloth de Goonies ou Pinguim do Batman). Bertha é descrita no livro com o adjetivo “Creole”, que é definido como:

1a person of European descent born especially in the West Indies or Spanish America; 2: a white person descended from early French or Spanish settlers of the U.S. Gulf states and preserving their speech and culture; 3: a person of mixed French or Spanish and Black descent speaking a dialect of French or Spanish

Merriam-Webster Dictionary

Então existe uma ambiguidade em se tratando de raça-etnia da personagem, que pode ser branca ou não (mas é retratada como branca em todas as adaptações que eu assisti). Fato é que o que se chamava de loucura no passado muitas vezes dizia respeito a esse já mencionado comportamento não normativo e o livro deixa implícito que parte das ações “desviantes” de Bertha eram de caráter sexual. Portanto, o fato da personagem não ser europeia, coloca em oposição a castidade jovem e britânica de Jane à luxúria selvagem de Bertha.

Bom, Jane Eyre foge de Thornfield Hall porque não quer se tornar amante de um homem casado. Sem dinheiro, vaga até encontrar uma cidade e lá é abrigada por St. John, um pastor, e suas duas irmãs e se torna professora em uma escola com 60 alunas. St. John é correto e um bom cristão, mas frio e formal: crê que as relações se entabulam por obrigação divina e chega, mesmo, a abrir mão de seu amor por uma moça porque ela não seria a esposa ideal para um clérigo. E assim, pede a mão de Jane em casamento, pois seu trabalho com as meninas da escola e sua dedicação aos estudos o fazem crer que essa seria a solução ideal. Jane, que á havia conhecido o amor, embora um que não pudesse ser vivido por ser entendido como moralmente errado, vê com desprezo a proposta absurda de casar por obrigação.

“I scorn your idea of love,” I could not help saying; as I rose up and stood before him, leaning my back against the rock. “I scorn the counterfeit sentiment you offer: yes, St. John, and I scorn you when you offer it.”

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (pp. 354-355). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

Sem mais delongas, um ano depois de ter partido, rica em virtude de uma herança surpresa, Jane retorna para Thornfield Hall e a encontra devastada: Bertha havia colocado fogo no sótão e se jogado do telhado. Rochester, cego e com uma mão amputada, vive isolado. Após ambos se atualizarem dos acontecimentos, em um diálogo marcado (por incrível que pareça) pelo humor, o capítulo final inicia com a sentença “Leitor, eu casei com ele”, encerrando a trajetória da protagonista.

Tudo isso é amarrado com elementos góticos: o medo ou a ameaça de fantasmas, a natureza misteriosa que expressa as tormentas internas, as vozes sobrenaturais. O texto de Brontë é fluido e imersivo: acompanhamos a narrativa em flashback, recontada pela própria Eyre em algum lugar no futuro, externando seus pensamentos e emoções de forma que quem lê acompanhe sua trajetória com enorme proximidade. Não à toa o subtítulo quando do lançamento era “Uma autobiografia”. Essa complexidade de elementos dificulta a adaptação da obra. Então vou explorar cada uma à seguir.

Nota: 5 estrelas de 5

Jane Eyre (1943), dirigido por Robert Stevenson

Começando pela primeira das adaptações que eu vi, o filme de 1943, dirigida por Robert Stevenson e com Joan Fontaine e Orson Welles nos papéis principais. Parece promissor, não é? Exceto que esqueceram de adaptar o livro.
Eu não me oponho à retirada de trechos (como o último ato, nesse caso) e a modificações para adaptações no cinema, desde que a atmosfera e a lógica da narrativa se mantenham. Nesse sentido o filme acerta nos aspectos visuais, evocando o gótico que marca a escrita.

Mas, o protagonista do filme é claramente Rochester e não Eyre. A narração em primeira pessoa que externa, em flashback os sentimentos da personagem foi substituída por monólogos dele. Nós deixamos de ver sua jornada interna de sofrimento e aprendizados que são expressos em elementos como o quarto vermelho e a sua autonomia financeira. Se no livro Jane trabalha como professora desde os 16 anos, depois é preceptora da pequena Adèle e por fim è responsável por uma escola com 60 meninas, a Jane do filme se recusa a ser professora depois de concluir seus estudos. Depois cuida de Adèle e, removida dessa função, nunca encontra uma escola para atuar, dependendo da ajuda de terceiros para conseguir dinheiro. Não faz sentido.
Já Rochester tem um protagonismo desproporcional. Em quantas cenas Jane está de costas e a câmera nele? No livro o personagem é um homem calado e sisudo, que busca a companhia da preceptora e a provoca com humor ácido. Não é exemplar, mas faz parte da lógica de uma construção do romantismo. No filme ele é apenas ríspido, sem muitos atenuantes que pudessem justificar o afeto de Jane.

Eyre, por sua vez, é descrita no livro como autossuficiente, decidida e capaz de questionar o amado e apontar seus erros. Joan Fontaine não tem muito o que trabalhar com sua falas reduzidas, e a personagem em cena está sempre à beira das lágrimas.

O roteiro foi escrito por Aldous Huxley. Ele mesmo. Não sei se isso é trabalho dele ou do diretor, mas foram criados “trechos” do livro, que aparecem no filme, e nenhum realmente é do livro. A audácia! Pobre Charlotte.

Com tantos nomes impressionantes envolvidos nesse projeto era de se esperar que Jane Eyre fosse mais satisfatório, mas erra no básico: a transposição dos personagens e a trajetória de crescimento da protagonista pra tela. O resultado é tão estranho quanto o beijo final dos amantes.
Bônus: baby Elizabeth Taylor, aos 10 anos, em seu terceiro papel, como Helen Burns (não creditada).

Jane Eyre – Encontro com o Amor (Jane Eyre, 1996), dirigido por Franco Zeffirelli

Novamente os nomes envolvidos indicam potencial: além da direção de Franco Zeffirelli, que também roteiriza o filme com Hugh Whitemore, temos Charlotte Gainsbourg como Jane a William Hurt como Rochester, além de Anna Paquin como Jane criança. Mas essa adaptação optou pelo caminho do romance puro e simples, como o subtítulo brasileiro indica. As belas paisagens floridas e iluminadas emolduram as interações dos personagens. Rochester é excessivamente doce e gentil. Jane, novamente, uma mocinha apática e titubeante, desconectada da construção do livro. Perde-se a conta de quantas cenas Gainsbourg fica parada, com a boca aberta, sem falar nada, olhando os acontecimentos. Anna Paquin, em contraste, tem uma interpretação enérgica e cria uma baby Jane (dclp) com personalidade marcante e forte. visualmente desinteressante, faz, em comparação, a versão de 1943 rbilhar, pois apesar da construção equivocada dos personagens, pelo menos acerta, e muito, na estética. Ao resumir a história de Eyre a um romance água com açúcar, o filme tira-lhe todo o vigor e, por sua vez, torna-se esquecível.

Jane Eyre (2006), dirigido por Susanna White

Com roteiro de Sandy Welch, direção de Susanna White e Ruth Wilson e Toby Stephens como protagonistas, essa versão é umas minissérie em quatro episódios da BBC. Claro que tem a vantagem do formato: suas quase quatro horas de duração permitem cobrir com calma os acontecimentos do livro e construir adequadamente a narrativa. Ainda assim, com todo esse tempo, alguns acontecimentos que não estão presentes na obra original são criados desnecessariamente, alterando pequenos elementos narrativos que poderiam facilmente ser transpostos na adaptação. Por outro lado, os aspectos sobrenaturais do livro são bem retratados.

A interpretação de Ruth Wilson é impecável, Toby Stephens prejudica o conjunto com sua pouca expressividade. No geral, todas as adaptações escalam atrizes e atores muito mais bonitos do que Jane e Rochester são descritos no livro. A exceção talvez seja William Hurt, que tem uma aparência razoavelmente comum e era bem mais velho que seu personagem.

Outro aspecto negativo é que a minissérie deixa a desejar no quesito estético, que não oferece muito a quem a assiste. Mas, com o tempo extra para o desenrolar da história, vemos mais as interações entre os personagens e suas ações parecem melhor contextualizadas, já que compartilhamos aspectos da personalidade deles com mais profundidade. Creio que a dupla autoria de mulheres, no roteiro e na direção, é vantajosa no que tange à protagonista. Se em outras outras versões ela aparece apagada e insossa, aqui Jane é uma personagem com todas as suas facetas: insegura, mas assertiva, apaixonada, mas crítica, tímida, mas brincalhona. O aspecto que mais gosto dessa versão é como, justamente, o humor e as brincadeiras, tão presentes na escrita, não se perdem nessa transposição e marcam muito as interações entre os protagonistas. Essa é a versão ideal para quem quer uma proximidade maior à complexidade de Jane do livro, bem com uma representação com mais camadas de seu relacionamento com o patrão.

Jane Eyre (2011), dirigido por Cary Joji Fukunaga

Essa era o único desses filmes que eu já havia visto. Como eu não assisti a ele na mesma época em que li o livro pela primeira, eu lembrava que era uma boa adaptação, mas cresceu nessa revisão. O roteiro de Moira Buffini consegue expressar sutilezas do livro de maneira muito eficiente, dada a duração do filme. Uma decisão que considero acertada é a de começar o filme com a fuga de Jane de Thornfield Hall. Nós vemos o desespero e o sofrimento da personagem, seguido pelo alívio e conforto da acolhida de St. John (interpretado por Jamie Bell) e suas irmãs. E aí, em flashback descobrimos o que acorreu com ela e que a levou a fugir, com os acontecimentos em um crescendo pela antecipação do que já sabemos.

O filme não se vale dos elementos sobrenaturais, mas a direção de Cary Joji Fukunaga conduz a história com segurança. Mesmo sem eles, o diretor se vale da locação como uma forma de expressar as tormentas internas da protagonista, aí sem evocando o gótico, em contraste com a paisagem dos momentos de tranquilidade.

Destaco, ainda, o figurino de Michael O’Connor, responsável pela única indicação do filme ao Oscar. Jane tem vestidos demais para uma época em que as pessoas tinham em médias três mudas de roupa, mas a sucessão de trajes cinzas se adequam à história, ao status social e à personalidade da personagem. Mesmo quando enriquece, continua usando a cor, mas agora com tecido encorpados e detalhes em renda. e O lindo vestido de noiva em rendas brancas representa bem esse momento em que a cor se estabelecia como a a preferida para tal rito.

Interpretada por Mia Wasikowska, Jane talvez seja excessivamente séria, mas adequadamente resoluta. Já o Rochester de Michael Fassbender é um perfeito equilíbrio entre temperamento e charme, e é facilmente a melhor versão entre as quatro aqui apresentadas, dado o desequilíbrio entre os atributos do personagem nas demais.

Mas sem dúvida o elemento mais interessante dessa versão é presença constante da sexualidade dos personagens, feita de uma forma não anacrônica. É comum que filmes de época extirpem a presença se sexo e de expressões de desejo, com uma forma de criar uma narrativa higienizada, mesmo que esses elementos estejam presentes na obra original. O texto de Brontë inclui momentos de intimidade cordial, entre os personagens, como quando Jane observa atentamente a fisionomia de Rochester e ele, ao perceber, pergunta a ela se o acha bonito e ela responde, rápida e sinceramente, que não.

There was a smile on his lips, and his eyes sparkled, whether with wine or not, I am not sure; but I think it very probable. He was, in short, in his after-dinner mood; more expanded and genial, and also more self-indulgent than the frigid and rigid temper of the morning: still, he looked preciously grim, cushioning his massive head against the swelling back of his chair, and receiving the light of the fire on his granite-hewn features, and in his great, dark eyes—for he had great, dark eyes, and very fine eyes, too: not without a certain change in their depths sometimes, which, if it was not softness, reminded you, at least, of that feeling. He had been looking two minutes at the fire, and I had been looking the same length of time at him, when, turning suddenly, he caught my gaze, fastened on his physiognomy. “You examine me, Miss Eyre,” said he: “do you think me handsome?” I should, if I had deliberated, have replied to this question by something conventionally vague and polite; but the answer somehow slipped from my tongue before I was aware: “No, sir.”

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (pp. 112-113). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

Além disso, há pequenos momentos em que os personagens se encaram e faltam palavras (e esse silêncio é preenchido por um desejo mútuo implícito), como quando, depois de uma festa, ele para no meio de uma despedida “‘Good night, my—’ He stopped, bit his lip, and abruptly left me” (BRONTË, p. 154) ou quando, depois que ela o salvou do incêndio em sua cama, ele afirma que vai dormir no sofá e pede que ela retorne ao seu quarto, mas fica surpreso quando ela decide fazê-lo e segura suas mãos, com um silêncio que porta “palavras quase visíveis”:

[…] and now return to your own room. I shall do very well on the sofa in the library for the rest of the night. It is near four: in two hours the servants will be up.” “Good night, then, sir,” said I, departing. He seemed surprised—very inconsistently so, as he had just told me to go. “What!” he exclaimed. “Are you quitting me already: and in that way?” “You said I might go, sir.” “But not without taking leave; not without a word or two of acknowledgment and goodwill: not, in short, in that brief, dry fashion. Why, you have saved my life!—snatched me from a horrible and excruciating death!—and you walk past me as if we were mutual strangers! At least shake hands.” He held out his hand; I gave him mine: he took it first in one, then in both his own. “You have saved my life: I have a pleasure in owing you so immense a debt. I cannot say more. Nothing else that has being would have been tolerable to me in the character of creditor for such an obligation: but you; it is different; I feel your benefits no burden, Jane.” He paused; gazed at me: words almost visible trembled on his lips—but his voice was checked.

Brontë, Charlotte. Jane Eyre (pp. 129-130). Simon & Schuster UK. Edição do Kindle.

Tudo isso para dizer que em algumas versões não há desejo, apenas um romance contido. A falta de erotismo, assim como do já citado humor, contribuem para a percepção de pouca vivacidade das adaptações. Aqui, tanto o roteiro, quanto as atuações conseguem expressar esse sentimento, como na forma como Jane se vira quando, após o incêndio, Rochester se levanta de camisa e pega suas calças para vestir, ou quando, no dia seguinte ao pedido de casamento, ela vai ao encontro dele, que está montado em um cavalo, e abraça as sua coxa. Há o registro da busca pelo toque e pela proximidade física. Novamente, são pequenos detalhes que enriquecem a forma como absorvemos a relação entre os personagens.

Levando-se em conta atuações da dupla de protagonistas, fotografia, figurino e uma direção acertada, essa é a melhor versão para quem quer uma boa experiência cinematográfica.

Nota 4 de 5 estrelas

Reler Jane Eyre em uma leitura compartilhada com outras pessoas no grupo de leitura foi sem dúvida uma experiência de grande valor, especialmente porque esse é um dos meus livros preferidos. As adaptações audiovisuais da obra acertam e erram em alguma medida e raramente conseguem capturar a complexidade multifacetada que é Jane Eyre, a personagem, na obra literária. Sigo ainda no aguardo de uma obra que capte toda a beleza do texto de Charlotte Brontë, mas, enquanto isso, reforço a recomendação, com ressalvas, das últimas duas.

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3 thoughts on “Jane Eyre e suas adaptações

  1. Tem toda razão em dizer que, a versão com Joan Fontaine, tem muito pouco do livro e ainda modifica bastante a história original de Brönte. Mas, em termos de cinema, é o melhor filme entre os mencionados. Esqueça o livro e veja o filme apenas como uma obra cinematográfica. E é um grande filme, se destacando o seu visual esplendido. Não importa que da obra de Brönte o filme tenha apenas um pouco mais que o título. Se pode contar nos dedos as adaptações fieis de livros que renderam grandes filmes. A maioria das adaptações fiéis de livros, são filmes medianos, ou menos que médios. Outro exemplo é “O Morro dos ventos Uivantes”, cuja versão de 1939 é excepcional, mas não muito fiel a obra de Brönte. 100% Brönte, só lendo Brönte.

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