Estante da Sala

41ª Mostra de São Paulo parte 4: últimos filmes

O Jovem Karl Marx (Le jeune Karl Marx, 2017), de Raoul Peck

 

Depois do aclamado documentário Eu Não Sou Seu Negro, Raoul Peck retorna com essa cinebiografia correta, que aborda os anos de juventude do filósofo Karl Marx (August Diehl), quando entabulou amizade com Friedrich Engels (Stefan Konarske), com quem futuramente escreveria o Manifesto do Partido Comunista e que possibilitaria a criação de O Capital. A esposa de Marx, Jenny von Westphalen (Vicky Krieps) aparece com a terceira personagem de importância e com uma trajetória interessante: a moça rica e estudada, de família tradicional, que largou tudo para casar-se com o rapaz pobre, judeu e de posicionamentos políticos controversos.

Pensadores da época cruzam o caminho, diferentes posicionamentos são apresentados, bem como o contexto político que fervilhava em diversos países. O diretor não se furta a retratar até mesmo as controvérsias, como o fato de Engels financiar as obras de Marx com dinheiro obtido das fábricas de sua família, ou seja, ser ele mesmo um capitalista lucrando com a alienação da mão de obra dos trabalhadores e com isso bancando a produção do amigo. A obra tem o estilo de um telefilme, como se fosse uma daquelas produções de época que a BBC costuma fazer, mas seus personagens fascinantes garantem a atenção do espectador.

Nota: 3,5 de 5 estrelas

O Dia Depois (Geu-hu, 2017), de Hang Song-Soo

 

O cineasta coreano Hang Song-Soo tem lançado um filme atrás do outro utilizando como combustível para a criação suas próprias vivências. O diretor, com quase sessenta anos e casado, mantem um relacionamento com a atriz Kim Min-hee, com quem começou a trabalhar em Certo Agora, Errado Antes, de 2015. Como a arte espelha a vida (e vice-versa), o fato tem servido para inspirar suas obras com divagações sobre relacionamentos, infidelidades e hierarquias de trabalho e idade.

Dessa vez a história é a de um dono de editora, Bongwan (Hae-hyo Kwon), que contrata uma nova secretária, Areum (Kim Min-hee). O primeiro contato é de excesso de intimidade e já envolve convite para almoço e conversas pessoais. Ele pede que ela o trate com mais informalidade, ao mesmo tempo que espera o tratamento de “chefe”. Logo no primeiro dia de trabalho, Areum é abordada pela esposa do chefe, que encontrou um bilhete em sua casa e assim descobriu que ele mantém um caso com uma funcionária. A pessoa do bilhete era a secretária anterior, mas a esposa não tinha como saber da mudança.

Fazendo o uso de seu zoom característico, evitando cortes e trabalhando em longos planos fotografados em preto e branco, Song-Soo traz novamente ótimo diálogos, discutindo as particularidades e momentos da vida ao redor da mesa, em meio a muita comida e muita bebida. O álcool solta a língua de seus personagens, como em outros filmes, e verdades afloram. A temática do relacionamento extraconjugal de um homem mais velho com a moça mais nova emerge novamente, mas dessa vez focado no egocentrismo e na fragilidade do homem, em detrimento das mulheres ao seu redor. Trata-se de um filme fortemente baseado no diálogo e eles conseguem sustentar a narrativa de maneira fluida, permitindo que o espectador mergulhe na banalidade cotidiana daquelas vidas.

Nota: 4 de 5 estrelas

Estocolmo, Meu Amor (Stockholm, My Love, 2016), de Mark Cousins

 

Mark Cousins é um cineasta e crítico de cinema mais conhecido por sua produção sobre a própria sétima arte. É provável que seu trabalho mais notório seja o documentário serial A História do Cinema: Uma Odisseia, um delicioso compilado de 15 episódios com uma hora de duração cada, em que aborda a história do cinema de forma pouco óbvia, fugindo dos grandes clássicos e focando em filme menos conhecidos de países diversos. Em virtude de sua visão bastante particular do que caracteriza um cinema historicamente relevante, resolvi arriscar com esse filme, seu primeiro de ficção. E o resultado não foi positivo.

Ele é protagonizado pela cantora Neneh Cherry, que interpreta Alva Achebe uma mulher que anda pelas paisagens de Estocolmo refletindo sobre a sua vida, suas perdas, vivências e aprendizados, além da história da própria cidade, enquanto visita construções marcantes e locais ao ar livre. A primeira metade do filme é narrada em off em primeira pessoa sem descanso: a personagem divaga, em frases poéticas, sobre o que aconteceu na sua vida, compartilhando tudo com o espectador. Em determinado momento afirma já ter falado demais e por isso vai só olhar e escutar. Daí em diante sua voz some até quase o final do filme e só a vemos andando, enquanto frases que refletem seus pensamentos aparecem na tela sob a forma de legendas que pairam sobre as imagens. O texto de Cousins é facilmente reconhecível.

Árvores, crianças, caramujos, rios, igrejas, mesquitas, praças, risadas, pássaros, trilhas, chuva, carros, monumentos, musgo: uma sucessão de imagens que funcionam quase como slides. É quase um Rio, Eu Te Amo que ao invés de ser patrocinado por um órgão público de turismo, é realizado por alguém que almeja soar poético. “Isso é felicidade?”, pergunta a legenda. Se depender do estado de espírito ao assistir ao filme, definitivamente não.

Nota: 2 de 5 estrelas

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