Não existem inocentes. Só existem diferentes graus de responsabilidade.
Esse segundo livro da trilogia Millennium, escrita pelo sueco Stieg Larsson, apresenta uma mudança total de gênero, embora a temática permaneça a mesma, em relação ao primeiro livro.
Enquanto Os Homens Que Não Amavam As Mulheres tem o foco em uma investigação criminal, aqui a proposta é seguir a personagem Lisbeth Salander em acontecimentos dois anos posteriores ao começo da primeira história. Dessa forma, aprofundamos nossa familiaridade com ela, mas a trama em si, novamente, demora para engrenar. O acontecimento que vai marcar a virada na história, um duplo homicídio, só vai ocorrer quase 200 páginas após o começo do livor. Larsson não nos poupa com suas descrições: marcas de cigarros, bebidas, comidas, restaurantes, lojas e até móveis são sempre listados, com muitos detalhes a respeito das atividades dos personagens. Sua prosa não é das melhores. Inevitavelmente alguém dará “um sorriso enviesado”, ou “morderá o lábio inferior” ou seja lá qual for seu vício na escrita que transparece como tiques nos personagens. Um dos vilões, descrito simplesmente como “um gigante loiro” é tão caricato que, somado à trama que envolve países da ex-União Soviética, poderia facilmente ser um vilão de um antigo filme do James Bond. O recurso do Deus Ex Machina é utilizado com razoável frequência. Além disso, segue usando os personagens para expor os dados, o que gera falas robóticas e artificiais. A tradução, como do primeiro volume, continua precária e falta uma boa revisão. É fácil perceber verbos do texto original que ao pé da letra não fazem o mesmo sentido em português.
Isso só vinha provar mais uma vez que nenhum sistema de segurança é melhor que o mais idiota dos colaboradores.
Dito isso, vamos a parte boa. A temática sobre “homens que odeiam as mulheres” continua presente e forte nessa nova trama. O assunto principal é o tráfico de mulheres do leste europeu para prostituição na Suécia. Mas não se resume a isso: todo tipo de preconceito e estereótipo é suscitado: a visão conservadora a repeito de mulheres, da sexualidade feminina, de seu papel no mercado de trabalho, entre outros, permeiam personagens diversos, homens comuns que demonstram em menor ou maior grau a misoginia tida como normal dentro da sociedade. O texto é tão incisivo em relação a temática, que se fosse uma mulher a autora, certamente seria acusada de ser panfletária. A distorção de fatos pela mídia em busca de maior tiragem ou audiência também se faz presente. Além disso, a história, apesar do começo lento, flui muito bem, com ganchos e os pontos de tensão eficazes.
Somadas as informações dos diferentes veículos, a polícia procurava uma lésbica psicótica, membro de um grupo satânico que pregava o sexo sadomasoquista e odiava a sociedade em geral e os homens em particular.
Lisbeth segue sendo uma personagem fácil de simpatizar, por mais extremas que possam parecer suas ações. Algumas alterações físicas pelas quais a personagem passou me incomodaram, pois não creio que se alinhem com o perfil dela no primeiro livro, mas essa é uma percepção pessoal. De qualquer forma, continua sendo uma personagem interessante. O jornalista MiKael Blomkvist torna a aparecer, dessa vez lidando com a fama em virtude doa acontecimentos do ano anterior. Embora ele praticamente não tenha contato com Lisbeth nesse livro a alternância da história entre em um e outro é bastante dinâmica.
Lisbeth Salander era a mulher que odiava os homens que não gostavam de mulheres.
Os desfecho do livro, ao contrário do primeiro, deixa margem para criação de uma sequência. Apesar dos pesares, A Menina Que Brincava Com Fogo ainda é um livro que entretém e cuja leitura flui sobremaneira. Não tenho dúvidas de que seguirei para o terceiro livro.