Estante da Sala

Figurino: Jogos Vorazes- Em Chamas: moda e ambiguidade na Capital

Texto originalmente publicado na coluna Vestindo o Filme em 20/11/2013.

Chegou às telonas Jogos Vorazes: Em Chamas, segundo filme adaptado da série de livros distópico-futuristas de Suzanne Collins. Entre o primeiro e este, muitas mudanças ocorreram: o orçamento quase dobrou, de 78 para 140 milhões de dólares (o que transparece no resultado final); trocou-se o diretor (de Gary Ross para Francis Lawrence) e com ele parte da equipe técnica, incluindo a figurinista, que era Judianna Makovsky (de A Princesinha) e passou a ser Trish Summerville, nome em ascensão após Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres.

Summerville possui um método de trabalho que é pouco apreciado por outros figurinistas: busca parcerias com estilistas e coordena seus trabalhos. Geralmente quando isso ocorre, o nome do estilista sobressai-se ao do figurinista (como Miuccia Prada em O Grande Gatsby) ou há polêmicas em relação à autoria (como ocorreu em O Cisne Negro). (links para ambas as colunas) Ela orquestra os envolvidos e suas estéticas de uma maneira que o que sobressai ao final ainda é sua visão e o que fica gravado é o seu nome. Sabe se beneficiar como ninguém dessa prática mercadológica de explorar o mundo da moda no cinema. Em Jogos Vorazes: Em Chamas, aproveitou o universo criado por Makovsky e avançou, ampliando a escala.
Nos distritos, predominam materiais naturais, como linho, algodão e couro, em cores esmaecidas e tons de cinza e bege. A modelagem continua remetendo às décadas de 1930 e 1940, em uma clara alusão aos regimes totalitaristas que dominavam a Europa nesse período. A vida ali não é fácil e as roupas devem ser práticas, visando as atividades cotidianas.
O uniforme dos guardas pacificadores passou por pequenas alterações. Mantém-se a alvura (que contrasta com as roupas dos habitantes dos distritos), mas a bota passa a ser também branca e acrescenta-se uma placa peitoral e uma nas costas com textura de esqueleto, além de joelheiras, aumentando a organicidade do conjunto.

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Enquanto está em casa, Katniss (Jennifer Lawrence) continua usando a jaqueta de couro do primeiro filme, mas sobre ela é acrescentada uma espécie de cachecol-colete, executado pela designer de tricô Maria Dora. A peça tem um formato interessante, deixando clara a influência da Capital, ao mesmo tempo em que é confeccionada em lã (fibra natural, do distrito), e tem aparência de feita em casa.

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Ao longo da Turnê dos Vitoriosos Katniss utiliza outras peças de lã, bem como outras roupas que seguem o mesmo conceito: minimalistas, como as do distrito, mas com detalhes que despertem o interesse, remetendo à Capital. Seu estilo de se vestir amadureceu. Afinal, após ter vencido a 74ª edição dos Jogos Vorazes, ela não só não é mais a mesma garota do ano anterior, como passa a ser uma pessoa pública, de interesse coletivo e apelo televisivo.

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Um exemplo é o macacão azul-marinho com cinto marrom utilizado no dia do sorteio: ele quase parece uma roupa de trabalho, mas o corte ajustado confere-lhe elegância e demonstra haver design por trás de sua criação.
Peeta (Josh Hutcherson) também começa a usar roupas mais maduras: Summeville o veste em camadas e utiliza muitas jaquetas de maneira a destacar seu porte físico. Seu terno de casamento, feito pelo estilista coreano Juunj, tem corte estruturado, arquitetural: a lapela fendida gera tridimensionalidade à roupa. O toque futurista é acentuado pelo colarinho da camisa, seus punhos e o lenço, substituídos por versões metálicas.

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Para a festa antes dos jogos, o vestido preto com detalhes vermelhos de Katniss aproveita de forma pouco sutil seu apelido de “garota em chamas”.

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O mesmo ocorre com o vestido de casamento, utilizado na transmissão televisiva. Volumoso e com muitas camadas, ele possui uma trama metálica próxima ao ombro em forma de chama, ao mesmo tempo em que tem adornos feitos com penas, lembrando o papel de Katniss como o tordo, símbolo da revolução que ocorre nos distritos. O traje foi desenhado e confeccionado por Tex Saverio, estilista indonésio. Quando Katniss rodopia, o vestido é consumido pelas chamas, transformando-se em outro, negro e com asas. Dessa forma o papel duplo (e dúbio) da personagem é frisado: o povo da Capital a vê como entretenimento: a garota em chamas da televisão; mas sob o espetáculo, esconde-se o símbolo da esperança e da revolução nos distritos.

Croqui do vestido de casamento por Tex Saverio
Croqui do vestido de casamento por Tex Saverio

Entre os novos personagens, dois se destacam. Finnick Odair (Sam Claflin) e Johanna Manson (Jenna Malone). Finnick é do Distrito 4, responsável pela pesca, e por isso, para sua apresentação, usa uma saia de tricô dourado, para lembrar uma rede de pesca, acompanhada de um cinto e, como acessório, um colar de conchas. Já Johanna, do distrito 7, responsável pela produção de lenha e madeira, veste um longo vestido marrom, com lascas de tronco de árvore subindo pelo seu pescoço, criando uma aparência de desconforto.

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A personagem com guarda-roupa mais variado e interessante não poderia ser outra: Effie Trinket. No primeiro filme da série, Joadianna Makovsky teve como inspiração para a moda da capital a obra da estilista Elsa Schiaparelli, marcada pelo surrealismo. Agora, Summerville tem uma inspiração mais próxima de nossos tempos: a marca Alexander McQueen, conhecida pelos excessos em sua estética e que atualmente tem suas coleções criadas por Sarah Burton.

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A inspiração é patente no vestido de casamento de Katniss, mas literal no vestuário de Effie: Seus vestidos são todos retirados de coleções recentes da marca. Não deixa de ser uma escolha interessante, porque o povo da capital vive para o espetáculo e isso coloca a alta-costura como símbolo dessa futilidade.

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Ao mesmo tempo, Effie representa nós mesmos, a plateia sedenta por entretenimento e coisas bonitas aos olhos, por vezes sem perceber as implicações políticas disso. Para Effie, a primavera já chegou (por isso as borboletas monarcas em seu vestido) e não parece se dar conta de que o povo fora da Capital vive um longo inverno de fome, opressão e medo.

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Ao fazer uso de roupas de grife para compor o figurino, e levando-se em conta a temática do filme, Trish Summerville fez uma crítica (talvez inconsciente) às próprias indústrias da moda e do entretenimento. Demonstra talento ao unir trabalhos tão diversos e manter a unidade da proposta visual. Jogos Vorazes: Em Chamas evoluiu muito os conceitos utilizados no primeiro filme e apresenta-se como um produto melhor acabado. E nós, como o povo da Capital, o assistimos, sedentos por ver o desfile de belos trajes utilizados em cena, enquanto em algum lugar dos distritos, faz-se a revolução.

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6 thoughts on “Figurino: Jogos Vorazes- Em Chamas: moda e ambiguidade na Capital

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