Estante da Sala

O Regresso (The Revenant, 2015)

O Regresso, dirigido por Alejandro González Iñárritu, é baseado na história real de Hugh Glass (interpretado no filme por Leonardo DiCaprio), guia em uma expedição que estava em busca de peles de animais nos Estados Unidos em 1823. Liderados pelo capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson), a equipe ainda conta com Fitzgerald (Tom Hardy), que tem clara antipatia por Glass desde o início; e Bridger (Will Poulter), um rapaz mais novo e inseguro; entre outros homens. Após ser atacado por um urso e ficar gravemente ferido, Glass é deixado sob os cuidados de Fitzgerald e Bridger, que o abandonam para que morra. Ele tenta sobreviver, apesar das sequelas. No filme Glass foi casado com uma indígena Pawnee que foi morta por homens brancos e tem um filho com ela, Hawk (Forrest Goodluck). O garoto é provocado e sofre com o racismo dos adultos, mas ouve de seu pai que é para ficar calado e se fazer invisível. Além disso, ao contrário da história real, a motivação do protagonista é a vingança, que parece ter sido incluída para tentar injetar um significado maior à sua trajetória e que não necessariamente se encaixa com o restante apresentado.

Com quase duas horas e quarenta de duração, a trama se desenrola lentamente, se detendo no mundo que rodeia Glass em sua jornada de sobrevivência. A natureza é tratada com uma reverência praticamente espiritual: é cruel, mas bela e capaz de salvar. A fotografia sempre competente de Emmanuel Lubezki capta momentos de grande beleza: as árvores que se projetam em direção ao céu como espetos, riachos e rios, neve pingando das folhas, são todos detalhes que são dispostos para serem apreciados, mas que também dizem muito sobre o contexto do mundo que nos é apresentado. Com exceção de uma sequência, só foram utilizadas luzes, naturais ou  artificiais, presentes em cena. Em determinado momento, Glass encontra as ruínas do que um dia foi uma igreja. O espaço já está ocupado novamente por árvores, conotando a relação espiritual do local com a mata, afirmada no momento em que ele abraça um tronco e este pode ser alguém que já se foi de sua vida.

Glass vive em um mundo sem lei e busca por vingança. Sua história faz paralelo com a do chefe Elk Dog (Duane Howard), cuja filha, Powaka (Melaw Nakehk’o), foi sequestrada por homens brancos de origem a princípio não determinada. Os caminhos de ambos se cruzam diversas vezes ao longo da trama. Vingança não é Justiça e ambas as histórias tratam de abordar a diferença. Nesse sentido, Elk Dog poderia ter sua participação aprofundada, para não apenas espelhar a busca do protagonista. Iñárritu tomou o cuidado de não retratar os povos indígenas com os estereótipos comuns de Hollywood, como o guerreiro selvagem ou o ancestral sábio místico. A contratação de atores indígenas, ao invés do usual red face, tão comum em Hollywood, é uma mostra dessa preocupação. Além disso, com as contratações de consultores indígenas e do designer de produção Jack Fisk e da figurinista Jacqueline West (ambos de O Novo Mundo, de Terrence Malick) ajudaram a recriar de forma bastante crível as realidades dos povos originais e dos colonizadores naquele começo do século XIX. Por outro lado, por mais que tenha tido todo esse cuidado, as histórias dos personagens indígenas servem apenas de pano de fundo para o desenvolvimento do herói branco. A esposa morta que aparece em espírito, o filho que vive entre os dois mundos, os antagonistas, a mulher que deve ser salva, o pai em busca de justiça: todos giram ao seu redor. Por esse motivo o filme tem recepção mista entre o público indígena, e entre aqueles que especificamente trabalham com cinema, há quem diga que é uma grande mudança no retrato da violência contra os povos originais pelos que ocuparam suas terras, mas também que não escapa de ter um olhar colonizador.

Se alguns profissionais foram emprestados do filme O Novo Mundo, não é por acaso. Iñárritu, que é conhecido pela solenidade de sua obra, aqui tenta emular a poesia presente nos pequenos detalhes dos filmes de Malick, que também retira um senso de conexão e de espiritualidade de imagens de rara beleza. Mas enquanto em Malick as cenas alimentam o espectador visualmente de maneira singela, aqui Iñárritu faz questão de se mostrar sempre presente. Os planos longos que já começam na ação inicial, grande angulares que captam o entorno e closes que ameaçam quebrar a quarta parede são desvelados de maneira calculada. A câmera não é invisível, pelo contrário: o diretor chama atenção para a habilidade técnica com que trabalha e seus artifícios, externando a presença do equipamento através de respingos de água e sangue ou da respiração que embaça a lente.

Como história de sobrevivência, O Regresso impressiona. Embora as tecnicalidades chamem atenção para si, a história de Hugh Glass é bastante imersiva. A atuação de Leonardo DiCaprio é forte e muito física. A qualidade da maquiagem ajuda, mas é sua expressão tensa e a forma como utiliza o corpo que nos leva a acreditar em cada esgar da sua dor. Tom Hardy é um coadjuvante de peso: domina as cenas em que está presente e seus monólogos são impecáveis. Também é importante destacar a atuação do novato Forrest Goodluck e de Domhnall Gleeson, que tem guiado sua carreira de maneira consistente.

Muitas das críticas a Alejandro Iñárritu são de cunho pessoal e realmente é fácil se deixar seduzir, já que o diretor não cansa de expor a certeza que tem a respeito da própria obra. Em tempos em que a imagem pessoal e a obra não parecem possíveis de se desvincular, sua arrogância não o ajuda. Mas, apesar da polêmica por trás das telas, O Regresso pode não ser leve (assim como a mão que o conduz não o é), mas é um filme bom e tecnicamente bem executado.

3,5estrelas

the revenant

 

 

 

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