Estante da Sala

[44ª Mostra de São Paulo] Kubrick por Kubrick

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online.

Stanley Kubrick tem filmes que permeiam cinco décadas e, mesmo sendo tão poucos, vários deles integram o panteão de grande obras do cinema. É lógico que a figura do cineasta desperta a curiosidade do público cinéfilo. O documentário Kubrick por Kubrick (Kubrick By Kubrick, 2020), escrito e dirigido por Grégory Monro, tem por objetivo trazer a visão do próprio autor sobre si mesmo e sua obra.

Kubrick afirma que prefere não dar entrevistas porque não gosta de falar de seus filmes, já que sente que teria que dar insights brilhantes sobre eles. Mas aceitou gravar uma série de conversas com Michel Ciment, crítico de cinema que já havia escrito um livro sobre ele. Dessas conversas foram extraídos os trechos usados no documentário. Embora o título possa dar a entender que o filme terá apenas a visão dele sobre ele mesmo, na verdade também conta com depoimentos de outras pessoas que trabalharam com ele. O formato de cabeças falantes é entremeado com áudios sobrepostos a cenas de filmes, além de uma maquete do quarto branco de 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968) com elementos e acessórios de cenografia de outros filmes posicionados nele, conforme o contexto das falas, que conferem interesse visual à obra.

No começo do filme Kubrick declara que o que se fala sobre ele na imprensa não é verdade, mas questiona de que forma poderia desmentir. Seria viável publicar um artigo falando “eu não sou assim?”. É interessante porque os depoimentos aqui apresentados, dele e dos demais, nada apresentam do homem e, do artista, apenas confirmam essa imagem geral que se tem sobre sua persona, reafirmando a fama de perfeccionista obsessivo, que passa por cima do bem estar e do trabalho de pessoas parceiras de criação para conseguir o resultado desejado.

Um exemplo dessa postura é sua fala sobre o figurino de Barry Lyndon (1975), em que afirma que Milena Canonero copiou as roupas de quadros da época, porque ele considera que é estúpido que uma figurinista interprete o período retratado. Por isso ele diz que o trabalho dela não envolveu design ou projeto algum, como se fosse possível pesquisar tecidos ou métodos construtivos de trajes de época apenas pela pintura. Afirmar que não há design na produção de um figurino historicamente acurado, é, isso sim, uma afirmação estúpida.

Os relatos se repetem: as alterações no projeto de cenários, as múltiplas tomadas de uma mesma cena, comentados por atores e atrizes com sorrisos constrangidos. O ápice é o relato de um maestro que teve que gravar 105 tomadas de uma música específica e, segundo ele, a segunda já estava perfeita. Será que Kubrick entendia mais de música que um maestro? Por que muito se argumenta que sem esse tipo de perfeccionismo a obra não teria a mesma qualidade. Mas será que 14ª tentativa era tão pior assim que 87ª? Parece um esforço desproporcional em desgastar os outros e torna questionável o tipo de culto ao gênio que demora para conseguir confeccionar suas obras que é comum entre cinéfilos.

Curiosamente, Kubrick por Kubrick pouco acrescenta ao imaginário em torno do diretor. As poucas informações, a respeito de obras específicas, apenas confirmam sua fama de perfeccionista, para não dizer desrespeitoso. Mas o filme é simpático e gostoso de assistir e alguns dos comentários são interessantes e informativos, como um complemento agradável à pontuando a obra do diretor.

Nota: 3 de 5 estrelas
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