Estante da Sala

[44ª Mostra de São Paulo] Sem Ressentimentos

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 22 de outubro e 4 de novembro em formato online

Parvis (Benny Radjaipour) é um jovem filho de migrantes iranianos morando na Alemanha. Em uma balada, foi flagrado roubando uma garrafa de bebida do bar e sua pena consiste em 120 horas de trabalho comunitário em um abrigo para refugiados. Lá ele conhece os irmãos Banafshe (Banafshe Hourmazdi) e Amon (Eidin Jalali), recém chegados do Irã. Sem Ressentimentos (Wir, 2020), dirigido por Faraz Shariat e escrito por ele em parceria com Paulina Lorenz, aborda a amizade e a identificação entre os três.

O protagonista, embora criado na Alemanha, não se sente totalmente confortável no país. Sobre ele pesam duplamente o racismo e a homofobia. Em um encontro com ele, um outro rapaz, branco, fala que não gosta de “caras étnicos”, que são “peludos, escuros”, ao que ele responde com a frase que dá nome ao filme, “sem ressentimentos, também não gosto de branco pretencioso”. Apesar do envolvimento sexual, não há conexão, mas sim agressão racista. Já no abrigo, os outros rapazes zombam de seu cabelo descolorido: ele não performa uma masculinidade tradicional.

Parvi se diverte em festas sem fim e o filme tem uma abordagem pop, com músicas e cores vistosos. Ele e Amon se interessam um pelo outro e se aproximam em virtude do que têm em comum. A trajetória de Banafshe é mais difusa: ela é a irmã e a amiga, mas não nos é apresentada como uma personagem completa. Tem seus próprios problemas no país, como o assédio sexual, mas não há um desfecho para ela.

A trajetória de Parvis é semi-autobiográfica. Em determinado momento o diretor congela todas as pessoas em cena e substitui essa imagem por outra, de uma filmagem caseira de sua própria família. O recurso não parece dialogar bem com o restante do filme, a não ser para acrescentar essa camada de informação.

“Tem palavra para gay no Irã?”, pergunta Parvis para sua mãe em determinado momento. Parece-lhe que não pode existir na terra de seus pais, mas também não é o tipo de homem desejado na Alemanha, devido à marcação de raça. A frustração dele e das pessoas ao seu redor é sobre o esforço para estarem nesse lugar e ainda assim não pertencer. Quando Parvis abraça Amon e eles choram, esse é o encontro de dois corpos, duas solidões, duas ilhas. Sem Ressentimento não ousa, nem arrebata, mas é um retrato sensível de crescimento sendo estrangeiro em sua terra.

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