Algumas leituras feitas para a minha dissertação despertam reflexões e vou rabiscar rapidamente essa daqui.
Às vezes as pessoas tem dificuldade de entender o “Não se nasce mulher, torna-se mulher” da Simone de Beauvoir, mas ele é bastante simples, na verdade. A ideia é que se parte do princípio de um ser humano universal, que não à toa é chamado de “Homem” e que os atributos de “ser mulher” são construídos em oposição, de forma relacional, ao “ser homem“. O Homem é o Ser Humano, a Mulher é uma variante, um particular, uma especificidade desse ser humano.
Quando levamos isso para as artes em geral, temos uma arte criada pelo homem-artista e consumida pelo homem-apreciador entendida como a arte geral. Mulher que produz arte faz arte feminina, arte feminista, “chick lit“, “filme de mulherzinha”, ou seja, faz uma arte adjetivada, uma arte que não pode ser vista como universal.
Aí eu me deparo com essa frase muito pertinente a respeito da crítica:
“A hipótese de uma mulher leitora [nota minha: acrescento espectadora, em se tratando de cinema] (…) reverte a situação habitual em que a perspectiva de um crítico homem é tomada como sexualmente neutra, enquanto uma leitura feminista é vista como um caso de apelação especial e uma tentativa de forçar o texto em um molde predeterminado”. (CULLER, 1989 apud OLIVEIRA 2007, p.87).
É isso. Acho interessante para refletir sobre esse olhar do crítico, que vem a ser um homem, entendido como um olhar também universal, de maneira que qualquer tentativa de uma análise partindo da óptica de uma mulher ou através de uma análise de gênero é percebida como um recorte ideológico (como se a assim entendida neutralidade masculina não o fosse). Da mesma forma o material produzido por cineastas (e outras artistas) mulheres (ou negros e negras, LGBTs e outros) são muitas vezes entendidos como casos particulares.
Essa foi só uma divagação proporcionada pelas leituras para a dissertação. Voltamos à programação normal.
OLIVEIRA, Marcia Lisbôa Costa. Reflexões em torno das relações entre gênero e recepção. In: SILVA, Cristiani Bereta, ASSIS, Glaucia de Oliveira, KAMITA, Rosana C. (org.). Gênero em Movimento: Novos olhares, muitos lugares. Florianópolis: Editora Mulheres, 2007.