Publicado originalmente em 3 de novembro como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
É difícil traduzir em palavras a sensação de assistir a esse filme, mas assim que acabou a sessão eu peguei o lápis, desenhei um coração no caderninho que levo para anotações e fechei-o. Certas coisas da subjetividade são difíceis de captar e materializar em palavras. A história é centrada em torno da vida de duas mulheres, Margarida (Valdinéia Soriano), uma ex-professora que se tornou reclusa após a morte de seu filho; e Violeta (Aline Brunne), uma jovem cheia de vida que vende coxinhas que ela mesma faz de porta em porta e cuida de sua avó idosa. Vizinho de Violeta, ainda conhecemos Ivan (Babu Santana), que vive com seu marido e o cachorro chamado Felipe. Na laje da casa de Violeta esses e outros personagens se encontram e conversam sobre suas vidas, a morte e o seguir em frente.
A dupla novata de diretores, Glenda Nicácio e Ary Rosa, é saída da Universidade Federal do Recôncavo Baiano e é lá na região que tudo se passa. O sotaque, as casas, as roupas: tudo nos desloca para um interior repleto de tranquilidade, memória e carinho. Enquanto a casa de Margarida temos café, cigarros e moscas, na de Violeta há barulho e há amor. Margarida esconde os espelhos, Violeta a quer fazer enxergar.
Pequenos gestos cotidianos têm grande significado, como aqueles provenientes das religiões afro-brasileiras praticadas pelas personagens. A ancestralidade está presente de forma marcada. Purificar-se antes de entrar em casa é um rito rápido, mas que é captado com grande beleza. Já a tormenta e a efervescência são capturados com estilo aronofskyano: ferve o café, apaga o cigarro, frita a coxinha, encolhem as paredes. Nem tudo são flores, claro, na trajetória dessas duas mulheres e em certo momento surge um diálogo carregado com a mão dos diretores-roteiristas, explicando de forma didática porque o cinema é tão intenso. Mas apesar disso o filme conquista por sua intimidade sincera. Trata-se de cinema de afeto.