Esta crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 18 e 31 de outubro na cidade.
Uma geladeira quebrada, os alimentos colocados para gelar do lado de fora da janela. Os objetos jogados, fora de lugar. A pressa, os sapatos diferentes, que não formam par. A escola que não mais aceita os atrasos constantes. “Caótico” parece um adjetivo perfeito para a vida retratada. Dirigido por Marta Hernaiz Pidal e escrito por ela em parceria com Aida Hoffman, A Caótica Vida de Nada Kadic (Kaoticni Zivot Nade Kadic, 2018) mostra a rotina de Nada (Aida Hoffman), que mora em um pequeno apartamento com sua filha, Hava (Hava Dombic). A câmera distante, posicionada fora dos cômodos, ressalta a pequenez do lugar. Seu trabalho também é em um cubículo. Sua vida se espreme entre esses espaços e as necessidades da menina. Hava não fala. Os médicos dizem que a menina está situada no espectro do autismo, mas é jovem demais para um diagnóstico definitivo. Sem o diagnóstico, Nada não pode ganhar o benefício público e as contas de casa estão longe de fechar.
Nessa rotina sufocante, mãe e filha são retratadas por trás de elementos de transparência: ora é um vidro martelado, ora é uma porta, sempre destacando uma posição de distanciamento do que há ao redor. Entre os gritos agudos da menina e todas as atribulações, a mãe só consegue algum respiro quando faz o que chama de hipsone, que é ligar a televisão para distrair a criança. A turbulência da rotina é expressa em uma câmera subjetiva que mostra a visão embaralhada de Hava sobre as coisas, bem como com uma montagem frenética e fotografia extremamente colorida. É fascinante reparar como esses elementos de linguagem são utilizados de maneira a deslocar nossa percepção para a mente agitada de Hava, intensa como seu par de botas vermelhas.
A casa é deixada de lado e o filme se torna um road movie em que mãe e filha, deslocando-se em um velho automóvel Yugo, em contraste com as Mercedes e Hondas novinhos das ruas, partem em viagem pelo interior da Bósnia e Herzegovina e de Montenegro, conhecendo curiosos personagens e encontrando silêncio e alento. Embora o espectador sinta o cansaço do fardo cotidiano dessa maternidade real, o carinho e cuidado são também presentes e constantes e a calmaria das paisagens rurais e dos lugares bucólicos realçam a tranquilidade atingida nesse momento. Indicado ao prêmio de Melhor Primeiro Filme no Festival de Berlim, A Caótica Vida de Nada Kadic é um belo e imersivo filme de estreia.
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