Esta crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 18 e 31 de outubro na cidade.
A necessidade de um sentido de lar: esse é um dos temas principais de A Odisseia de Peter (Odysseya Petra, 2018), dirigido pela dupla Anna Kolchina e Alexey Kuzmin-Tarasov. O filme apresenta a transição da infância para a adolescência do protagonista (interpretado por Dmitriy Gabrielyan), um menino russo de doze anos que é informado pelos pais que irão todos se mudar para a Alemanha.
Em alguma década passada, a Rússia idílica de sua memória é filtrada pelo amarelo da luz do sol, aparentando calor e acolhimento. Peter corre por campos verdes, brinca com adagas de madeira, faz guerrinhas com um amigo no mato e se banha no rio na companhia de uma amiga e com ela troca um primeiro beijo. Sua mente fervilha de criatividade, que explode no papel sob a forma de desenhos, que embora ainda rudimentares, demonstram o talento do garoto. Além de todas as beleza da terra natal, Peter ainda tem o carinho de sua vó, que o acolhe e incentiva.
A motivação dos pais para se mudar jamais é revelada: o menino não participa da decisão e o acompanhamos em seu desconhecimento, bem como no posterior estranhamento. A escola nova tem animais empalhados: seres estranhos, que parecem vivos mas não estão de verdade. O desejo de desenhar se foi. A Alemanha é cinza e fria, tem uma língua estranha a ele, rapazes hostis e um inverno sem neve que não parece casa. Em um determinado momento a mãe pergunta a ele como está a escola. “Normal”, ele responde. Se os adultos não compartilham de suas conversas, ele também não fala com eles e dureza do distanciamento marca essa falta de conexão.
Os percalços do garoto tomam vida em sua própria imaginação e os limites da realidade se borram em sua trajetória. Nesse sentido, embora não muito contextualizadas, um dos pontos altos do filme são as sequências oníricas, em que Peter se espelha na história de Homero e imagina sua própria trajetória para a Rússia. Entre mulheres-pássaro e um grupo de refugiados que que mora em um caminhão, a pergunta “um dia voltaremos para casa?” ecoa. O filme se sai bem, justamente, ao misturar a noção de pátria e lar com a própria nostalgia da infância, criando um imagético mergulhado em doçura.
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