Estante da Sala

Cinema e Televisão em Cuba

Sem cultura não há liberdade possível. (Fidel Castro)

Vou escrever sob o ponto de vista da minha experiência pessoal no país. A percepção pode estar equivocada devido ao pouco contato mais profundo. Para quem não sabe, entre os dias 8 e 19 de março de 2015 estive em Cuba, em função de um congresso de Antropologia.

Durante a estadia, passei por três cidades e me hospedei na casa de três famílias diferentes. Em todas as casas uma televisão de LCD de tela grande reinava gloriosa na sala. Esportes, noticiários e telenovelas predominavam todas as noites, de forma similar ao Brasil.

Aliás, ao descobrirem minha nacionalidade muitos cubanos teciam efusivos comentários elogiosos às novelas brasileiras. A Favorita e Paraíso Tropical foram transmitidas recentemente e os sucessos atuais são Duas Caras e Chocolate com Pimenta. A primeira ocupa o horário nobre com uma dublagem muito mal feita. Por causa dela meia dúzia de pessoas comentaram comigo sobre a situação nas favelas brasileiras, que chamou sua atenção. O produto de ficção é consumido como um retrato de nossa realidade. Já a novela de época protagonizada por Ana Francisca passa duas vezes ao dia: no final da manhã e no início da noite. No canal local de Havana ainda há um reprise extra às 23h. Enquanto Duas Caras é assistida por toda a família, Chocolate com Pimenta parece ser da preferência de mulheres mais velhas.

Um casal comentou comigo que a TV também exibe novelas cubanas e argentinas, mas que elas não são boas como as brasileiras. Segundo eles, as argentinas tentam imitar o estilo das nossas, mas não conseguem.

Apenas em uma noite da minha estadia tive uma TV em meu quarto. Nesse dia pude explorar melhor a programação e o que vi me surpreendeu: com exceção das já citadas novelas, os canais abertos parecem um apanhado de programas de grande qualidade. Primeiro assisti a um programa chamado Mesa Redonda, do canal Cubavisión, onde ocorreu um debate sobre o uso sexista da língua espanhola e clamava as pessoas e especialmente os meios de comunicação a usarem uma linguagem mais neutra e que não perpetuasse preconceitos. Um resumo escrito é o video do programa estão disponíveis no seu site.

Programa "Mesa Redonda", do canal Cubavisión
Programa “Mesa Redonda”, do canal Cubavisión

Em seguida passou um programa curto sobre moda, em que estilistas e outros profissionais foram entrevistados para levantar questões sobre o consumo de moda no país e o panorama social. Foi falado que a produção nacional não era suficiente para abastecer o mercado e sobre a necessidade de uma reflexão sobre o que importar. Por fim, foi discutido o papel social da moda na construção de uma identidade nacional cubana.

O último programa que assisti foi sobre cinema, chamado La Septima Puerta, também do Cubavisión. O apresentador falou sobre a filmografia de Jim Mickle, que explicou ser um diretor indie americano que faz filmes usando relatos convencionais unidos a “estética clássica de violência” do país. Explicou aspectos da linguagem cinematográfica e falou de como emula o visual dos anos 80 e a sua inspiração por Carpenter. Após essa explicação, foi exibido Cold in Julyfilme de 2014 do diretor, legendado. Não consegui ver até o final, porque acabei dormindo, mas achei interessante a forma como o filme foi explicado e contextualizado antes de ser apresentado.

Além disso vi propagandas anunciando a exibição de Nasce uma Estrela, estrelado por Barbra Streisand; O Jardineiro Fiel, dirigido por Fernando Meirelles e o premiado documentário do ano passado Citizenfour, que seria exibido em dois horários diferentes.

Mencionei “TV aberta” porque aparentemente é comum alguns lugares como hotéis e resorts terem acesso a canais à cabo americanos. O restante da população compra DVDs com essa programação, especialmente videoclipes, que tocam sem parar em todo canto. Além disso, há todo um comércio de pendrives com os últimos lançamentos de séries e filmes vindos diretamente dos Estados Unidos, como pode ser visto aqui:

Cine Yara por fora
Cine Yara por fora

Sobre cinema, tive a sorte de ir uma vez a um deles. Procurei alguns no entorno de onde estava hospedada em Havana, mas todos estavam fechados ou em reforma. Sem planejamento, em um dia em que andava por outro bairro, passei em frente ao Cine Yara, que depois descobri ser o cinema mais frequentado da cidade. O prédio grandioso ocupava toda uma esquina onde se encontravam duas avenidas. No interior, apenas uma sala de exibição. O ingresso para estrangeiros é 2CUC (em torno de 6 reais), enquanto para cubanos, pelo que entendi, é 10 Pesos (mais ou menos R$0,60). Tudo no país tem preços diferentes para os visitantes em relação ao que a população paga.

Eram 13h de uma quarta-feira e muitas pessoas ocupavam a sala, levando-se em conta o dia e a hora. O filme em cartaz chama-se La Pared de las Palabras.  A história é a respeito de Luis, um homem que vive em uma espécie de sanatório e a busca pela comunicação com seu irmão e sua mãe. Muito bonito, tem uma abordagem ao mesmo tempo naturalista e poética. Quando sobem os créditos, as luzes não se acendem e a plateia segue sentada, com poucas exceções, em respeito aos realizadores. Levando-se em conta o amplo acesso à educação existente no país e mesmo programas como La Setima Puerta, não é de se estranhar que haja um entendimento e um respeito maior do que no Brasil a respeito do consumo da arte.

Cartazes de filmes cubanos
Cartazes de filmes cubanos
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Cartazes de filmes cubanos

 

Na saída, diversos pôsteres de filmes cubanos decoram as paredes. Espantada com o tamanho imenso da sala, pergunto para a mulher da bilheteria qual a sua capacidade: 1400 lugares. Invejável. Não consegui captar em foto o tamanho todo do lugar.

Impossível captar o tamanho da sala em uma foto. Não estava nem na parte mais alta da platéia.
Impossível captar o tamanho da sala em uma foto. Não estava nem na parte mais alta da platéia.

Conhecer Cuba foi uma experiência incrível e já tenho vontade de um dia retornar ao país. Assistir TV realmente não foi uma prioridade, mas sem dúvida o pouco que vi já tornou a experiência da viagem mais interessante.

 

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1 thought on “Cinema e Televisão em Cuba

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