Anna was not in lilac, the colour Kitty was so sure she ought to have worn, but in a low-necked black velvet dress which exposed her full shoulder and bosom that seemed carved out of old ivory, and her rounded arms with the very small hands. Her dress was richly trimmed with Venetian lace. (…) Kitty had been seeing Anna every day and was in love with her, and had always imagined her in lilac, but seeing her in black she felt that she had never before realized her full charm. She now saw her in a new and quite unexpected light. She now realized that Anna could not have worn lilac, and that her charm lay precisely in the fact that her personality always stood out from her dress, that her dress was never conspicuous on her. And her black velvet with rich lace was not at all conspicuous, but served only as a frame; she alone was noticeable — simple, natural, elegant and at the same time merry and animated.
(Leon Tolstoi, Anna Karenina, Parte 1, capítulo 22)
Jacqueline Durran, figurinista de Anna Karenina, já havia trabalhado com Joe Wright em dois outros filmes: Orgulho e Preconceito (2005) e Desejo e Reparação (2007), todos com Keira Knightley como protagonista. Aqui ela tem completa liberdade para criar um figurino muito interessante, não por acaso vencedor de grande parte do prêmios do ano passado, incluindo Oscar, BAFTA e Costume Designers Guild Awards.
A personagem principal, Anna, recebe vestidos absolutamente anacrônicos e que ainda assim contam sua história belissimamente com uma paleta restrita a três cores principais: preto, branco e vinho. A silhueta é mais inpirada na década de 1950 do que na de 1870, em que se passa a história. Característico do período, o New Look, criado por Dior, consistia em cintura marcada através de corpete a saia rodada com anáguas. Já 1870 foi uma década de transição em que as saias, ainda que sustentadas por crinolinas, estreitaram-se e passaram a receber anquinhas. Os trajes de Anna possuem anquinhas, mas de forma discreta, prevalecendo as saias rodadas. Além disso, os decotes dos vestidos são bastante baixos, tanto no colo como nas costas, o que seria prejudicado pelo uso dos corpetes mais fechados de então. As mangas de seus vestidos são extremamente estreitas, divergindo completamente do que seria utilizado. O anacronismo ainda é marcado através de penteados bagunçados e jóias contemporâneas, cedidas por Maison Chanel, que se destacam sobremaneira em cena.
Há que se dizer que o figurinista não deve se preocupar em simplesmente em criar roupas adequadas ao período retratado: seu trabalho consiste em criar uma determinada atmosfera para os personagens e auxiliar a narrativa, juntamente com os demais itens do design de produção, como a cenografia, por exemplo. Por isso considero que a história de Anna está muito bem contada.
Um detalhe muito interessante da narrativa é a forma como a personagem sempre utiliza véus cobrindo seu rosto: as pessoas tendem a não conhecê-la por inteiro, pois ela não permite que a vejam. Isso fica claro em uma cena em que ao chegar em casa, ela chora em seu quarto, mas sem tirar o véu. Nem em casa ela está livre das máscaras.
Os trajes íntimos demonstram que no início da hitória Anna não percebia ainda que estava descontente com sua vida: veste camisas, corpete e crinolina completamente em branco. Já no final, desconexa e aflita, utiliza corpetes amarelos com acabamentos em vermelho, mesma cor da crinolina, criando um contraste que grita desconforto visual, ao mesmo tempo remetendo às cores berrantes que uma cortesã da época utilizaria em tais peças.
No primeiro momento da história ela se veste majoritariamente em preto: ela é uma mulher casada, bem posicionada na sociedade e fiel ao marido. É jovem, bonita, e mesmo que esperem que ela use outras cores, como lilás que Kitty deseja vê-la usando no livro, ela opta pela cor mais simples e sóbria, por saber que ela realçaria sua beleza. No filme, as peças são construídas de maneira moderna e assimétrica. A assimetria parece refletir o estado de espírito da personagem, sempre atormentada, sempre torta em relação à sua própria vida. O vestido usado no baile, por exemplo, passa a sensação de que vai cair, tal a fragilidade das alças que o prende aos ombros e a maneira com o tecido flui organicamente em sua construção. Ela contrasta fortemente com todas as demais jovens vestidas em tons pastel.
À partir do momento em que passa a viver seu romance com Vronsky abertamente para a sociedade, Anna usa vestidos mais estruturados e agora predominantemente em cor branca. No ápice de sua paixão por Vronky, ambos são retratados em um piquenique vestidos inteiramente de branco, sobre lençóis brancos. É como se nesse momentos sua vida estivesse ordenada e calma.
A terceira cor que compõe a paleta principal da personagem é o vinho: nas cenas de maior perturbação emocional ela recorre a essa cor para externar sua tormenta interior. É a cor que marca as decisões mais importantes na vida da personagem, os seus grandes momentos de virada. Ela a utiliza na festa em que decide encontrar-se com Vronky na casa de Betsy, em um traje também assimétrico, similar ao preto, mas com um drapeado que quase se desmancha pela saia. Essa também é a cor do traje que escolhe usar para sair de casa e tomar o trem nas sequências finais, atormentada pelos ciúmes, desespero e solidão.
Tá muito bem escrito!!!! eu adorei esse post, quero ver o filme djá! :3
Obrigada, Natasha! Considero um grande elogio! 🙂