Texto originalmente publicado na coluna Vestindo o Filme em 10/12/2014.
“Apesar de não ser mais que um monstro não tenho, também, direito de viver?”
Um jovem clássico do cinema coreano, Oldboy, dirigido por Chan-wook Park, possui o visual marcante e com elementos estrategicamente controlados característico do diretor. O figurino fica a cargo da então estreante Sang-gyeong Jo, e essa parceria se repetiu em duas obras posteriores: Lady Vingança e Sede de Sangue. O uso de cores no filme é feito de forma estilizada e esquemática. Assim como em Segredos de Sangue (cuja análise pode ser lida aqui), as cores são utilizadas de forma marcadamente simbólica, não apenas no figurino, mas nos cenários e objetos que os compõem, criando uma atmosfera artificial que nos faz facilmente perceber o que o autor quer que seja lido na narrativa.
Logo na sequência de abertura vemos o protagonista, Oh Dae-su (Min-sik Choi) no topo de um prédio segurando pela gravata um homem que tenta se matar. Tanto a gravata quanto a camisa são em tons de roxo. A cor tem relação com uma pessoa chave do passado, o que é indicado pela própria cena através de uma referência visual explícita, como ficará claro mais para frente.
Ela volta a se repetir na sobrinha abandonada após o sumiço de Oh Dae-su, ainda nos créditos de abertura.
Em seu cativeiro de quinze anos, ele é rodeado pelas outras duas cores que se repetem: o verde e um tom escuro de vermelho. Verde aparece no piso banheiro encardido e em sua iluminação, que parece deixar a cerâmica dessa cor. Já o papel de parede do quarto e a gravura que adorna a parede vão pender para a outra cor. A decoração se divide entre os dois tons e cores neutras.
Se o roxo lembra uma pessoa do passado, o verde se liga diretamente àquele que quer se vingar Oh Dae-Su e o vermelho se relaciona com Mi-Do (Hye-jeong Kang), que se torna sua companheira de jornada posteriormente. No dia em é posto em liberdade e a conhece, tanto ele quanto a mulher que o hipnotiza vestem vermelho.
Significativamente ele aparece abandonado dentro de uma grande mala vermelha com forro roxo em um gramado verde. Veste paletó e camisa pretos: peças sem características, que marcam o que deveria ser seu recomeço. Depois de tantos anos que lhe foram roubados, sua roupa não demonstra nenhum tipo de identidade ou personalidade. O personagem se vestirá em preto e branco até o final, mas os elementos ao seu redor é que marcarão sua significação: sua liberdade é literalmente cercada pelas cores que remetem as múltiplas relações que se entrelaçam na trama.
Vermelho e verde são cores complementares, o que torna sua combinação harmônica, mas também vistosa. No momento em que Oh Dae-su e Mi-do se conhecem no restaurante em que ela trabalha, todo o ambiente é sufocantemente decorado com as duas. É então que não apenas a relação entre os dois se inicia, como o plano de
O mesmo acontece no apartamento dela: até seu tapete e seu papel de parede são compostos pelas duas cores. Mas é o vermelho que marca sua relação com ele e é essa cor que vestirá predominantemente ao longo do filme.
O quarto de hotel onde os dois estão após sua primeira relação sexual também será coberto pela cor. Uma exceção é a caixa roxa com a mesma padronagem de um lenço que Oh Dae-su havia obtido anteriormente de Woo-jin Lee (Ji-tae Yu), aquele que o prendeu por tantos anos. Esta estampa se repetirá em outros elementos com pistas sobre o passado, que o instigam a descobrir porque Woo-jin agiu dessa forma.
O apartamento de Woo-jin Lee também tem tons esverdeados, com paredes de concreto e espelhos d’água na cor e uma decoração minimalista. A cor fria, a falta de detalhes e os materiais utilizados passam a sensação de severidade. O estilo de se vestir do personagem segue o mesmo minimalismo, com roupas bem cortadas um cuidado especial com a própria aparência e o corpo.
É então que se revela o passado: quando jovem Oh Dae-su flagrou o envolvimento de Woo-jin Lee com a própria irmã e ao comentar com um amigo, causou uma reação em cadeia de difamação da garota que a levou ao suicídio. O passado mostrado em flashback é filtrado por lentes arroxeadas: cor de luto, mas também do vestido da jovem, registrada em uma última fotografia antes de morrer. É a essa cena que a abertura do filme faz referência e em virtude dela que o a cor roxa sempre aparece quando são fornecidas pistas sobre o passado.
E se a relação com Mi-do é marcada pelo vermelho, é importante notar que ela aparece com verde (da vingança de Woo-jin) no momento em que conversa com ele em um bate-papo na internet, sem saber de quem se trata, e fala sobre Oh Dae-su. Quando ele parte sozinho para descobrir toda a verdade e eles se despedem, a sua camiseta rosa (tom esmaecido de vermelho) tem uma manga verde. Esses são momentos chaves para a concretização da vingança.
O que Oh Dae-Su descobre dentro da última caixa é que Mi-do é sua filha, que tinha três anos quando ele desapareceu. Em sua fotografia de bebê, junto aos pais, vermelho era a cor de seu vestidinho. Incapaz de abrir mão do seu amor, ele é hipnotizado para esquecer as trágicas descobertas. Quando a reencontra, ela, que desconhece as revelações anteriores, veste o vermelho mais intenso de todo o filme, contrastando com a alvura da neve que os rodeia e deixando claro que a relação entre os dois seguirá em frente.
Cada um dos três personagens mais importantes relacionado a Oh Dae-su possuem uma cor que se repetirá ao logo do filme, frisando essas relações através não só do figurino, mas também dos cenários, com destaque para os papéis de paredes com estampas geométricas marcantes. O figurino de Sang-gyeong Jo atende a esses requisitos que parecem ter sido traçados de maneira precisa por Chan-wook Park, demonstrando ter total controle sobre os aspectos visuais de sua obra e sobre a forma como os utiliza para transmitir mensagens e enriquecer a narrativa.