Dirigido por François Ozon, Uma Nova Amiga é um filme que transita entre gêneros, passando pelo drama, o suspense hitchcockiano e o romance. A sequência de abertura já gera uma quebra de expectativas: Laura (Isild Le Besco) é mostrada sendo maquiada, enquanto toca uma marcha nupcial. Por alguns momentos podemos pensar que ela está se arrumando para seu casamento, quando na verdade está sendo preparada para seu velório. E assim somos apresentados a Claire (Anaïs Demoustier), sua melhor amiga e protagonista do filme. Logo nos primeiros quinze minutos, através de flashbacks eficientes, vemos como a dupla se conheceu, quando tinham setes anos e Laura mudou para o colégio de Claire. Acompanhamos as duas crescendo, inseparáveis, tendo suas primeiras experiências com relacionamentos, até que ambas casam e Laura tem uma filha, pouco antes de falecer. Claire promete tomar conta do bebê e do marido da amiga, David (Romain Duris).
A personagem entra em um processo de luto prolongado, tendo dificuldade de lidar com a morte da amiga e se afastando do trabalho. O seu marido, Gilles (Raphaël Personnaz), oferece apoio dentro de suas possibilidades.
Certo dia, passando em frente à casa de Laura, Claire entra sem bater e se depara com uma mulher ninando o bebê: David vestindo uma peruca e um vestido floral de Laura. Em um primeiro momento, ela não aceita o crossdressing, mas ele explica que Laura sabia e aceitava.
Claire digere a informação e passa a conviver com Virginia, nome que confere à outra. Uma saída em público torna as coisas mais fáceis. O tema é tratado de maneira séria e ao mesmo tempo delicada e a direção de arte contribui muito para a construção das personagens. Claire, desde a infância, era o tomboy da dupla. Seu guarda roupa possui muitos elementos emprestados da alfaiataria, como calças, paletós e camisas de botão. As cores são sempre escuras, pendendo para o azul. A cor domina toda sua vida: sua casa é coberta de azul, das paredes, passando pela roupa de cama até as louças. Laura, em contraste, era retratada em tons claros e rosados, com estampas florais e muitos vestidos. As duas amigas se complementavam e com Virginia, Claire reencontrou essa metade que lhe complementa através de uma feminilidade tradicional, influenciando-a, mesmo, a utilizar vestidos, usar o vermelho e se maquiar. Mas o contraste entre as duas não é feito de forma cômica e a forma como uma afeta a outra transcorre com naturalidade, e não sob a forma de um makeover caricato no estilo Uma Linda Mulher ou O Diário de Princesa, apenas para citar alguns exemplos.
A convivência com Virginia faz Claire rever muito mais do que sua forma de vestir, assim como a vivência e a identidade de Virginia vão além do crossdressing. As barreiras de performatividade de gênero e de expressão de sexualidade são gradualmente quebradas.
Romain Duris está ótimo no papel, mas Anaïs Demoustier é quem se destaca, construindo uma Claire que se equilibra entre a fragilidade e a força. A direção de arte contribui grandemente com a experiência. Uma Nova Amiga é um filme muito bonito, que aborda questões de gênero de forma leve mas nunca jocosa e sem preconceitos ou amarras.
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