Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.
Com uma narração em off que soa impessoal e distante e imagens criadas para diretamente para o documentário, somos apresentados à história de Laika, a cachorra vira-lata que foi o primeiro ser vivo a ser enviado ao espaço. O programa espacial russo e o estadunidense lutavam para surpassar um ao outro, estabelecendo marcos na corrida espacial resultante de Guerra Fria. Foi no espaço que cachorrinha faleceu e sua capsula queimou quando entrou novamente na atmosfera. Seu corpo incendiado. A voz informa que diz a lenda que seu fantasma caiu sobre a terra e hoje Vagueia pelas ruas de Moscou.
O documentário escrito e dirigido por Elsa Kremser e Levin Peter se debruça sobre o uso que ambos os países, com foco na Rússia, fizeram de animais para experimentos científicos visando o domínio do Cosmos. Duplamente premiado no Festival de Locarno desse ano, Ele une imagens de arquivos de registros dos laboratórios do programa espacial com filmagens atuais das ruas de Moscou e seus habitantes caninos, criando um paralelo entre as torturas infligidas então e o descaso de agora.
A narração distante que eventualmente reaparece, trata as cenas descritas com um distanciamento científico digno de um antigo documentário da National Geographic, contrastando com a beleza sutil com que os animais são fotografados. Os cachorros, sem tutela, andam em grupos, se ajudando mas também competindo entre si. Bebem água da chuva de poças sujas, dormem encostados a paredes de edifícios, pouca comida encontram e precisam caçar outros animais.
Dos animais das imagens de arquivos descobrimos que, nos Estados Unidos, as experimentações eram feitas com primatas , muito próximos de nós, que recebiam apenas números, e não nomes, para que as pessoas não se afeiçoassem. Na União Soviética, diversos cachorrinhos vira-latas foram recolhidos da rua e submetidos a treinamentos extenuantes para selecionar os aptos a ir ao espaço. Com pelos raspados, tubos e sondas os perfurando, foram lançados e os que sobreviveram colocados para reproduzir como forma de demonstrar a sua integridade física e gerar filhotes cósmicos.
A paralelo feito entre os dois momentos é pungente e perturbador. Diversas cenas causam incômodo, tristeza e mesmo indignação. O acerto do documentário é conseguir estabelecer claramente os objetivos egoístas da humanidade e as relações entabuladas com outras espécies marcadas por um especismo latente. Animais domésticos são abandonados e animais exóticos são explorados, tudo em um senso de superioridade humana.
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