“Arte pra mim é tudo, sem a arte eu prefiro morrer”
Esta não é uma crítica.
Talvez não seja mais do que um apanhado de percepções pessoais sobre um filme que também é um apanhado de percepções pessoais.
Elena é dirigido por Petra Costa e trata de sua convivência com sua irmã, treze anos mais velha. Elena queria ser artista e cedo ganhou dos pais uma câmera. Graças a isso, Petra pode se debruçar sobre imagens que descortinam seu crescimento: a irmã ainda pré-adolescente rodopiando a dançar; aos treze, embalando-a no colo e dormindo junto a ela; aos dezesseis atuando e dirigindo filmes caseiros em que ambas se divertiam. Elena aparece como uma figura sensível, sedenta por se expressar artisticamente e por esticar os braços e alcançar as estrelas. Elena dança com a Lua.
Além das duas irmãs, a mãe também aparece como uma personagem forte. A socióloga deixa escapar uma juventude de melancolia que se fez presente até conhecer o pai delas. Menciona os momentos em que desenhava para expressar a tristeza.
Elena queria ser atriz e foi aceita na universidade de Nova York. Era perfeccionista e dedicada, mas se sentia só e triste, muito triste. Petra, tão pequena, não entendia o que estava acontecendo. As imagens de arquivo são etéreas, como se pertencessem a um passado que o tempo trata de dissolver. A estética do filme é muito bonita ao captar a mente de suas protagonistas assim, vagando pelas lembranças.
É fácil de se identificar com as personagens. O filme me afetou de uma maneira bastante pessoal. Um dia eu já fui Elena. Começou cedo, bem cedo. Às vezes eu acordava e só de olhar tudo ao meu redor, doía. Doía respirar, doía olhar o mundo, doía sentir aquele vazio. Então, anos depois, também me mudei para uma cidade fria em que não conhecia as pessoas. Queria ficar só, mas quanto mais só, mais triste. Andava pelas ruas escondendo as marcas nos braços. De noite saía do apartamento pequeno demais e olhava as estrelas. Mas eu também gritava por dentro através da minha arte. Só que não atuava, nem dançava: eu escrevia. Derramava palavras que me machucavam mas me faziam bem. Escrever virou uma necessidade. Quanto pior ficava, mais escrevia e só conseguia escrever assim. Às vezes era difícil conter as lágrimas e elas rolavam por horas sem parar, manchando as páginas marcadas pelas letras. E eu achava que assim elas ficavam até mais bonitas. Mas por algum motivo, eu permaneci.
Um dia, quando tinha lá meus vinte três ou vinte e quatro anos e bem mais de uma década de papeis manchados de lágrimas, decidi que eu precisava parar com esse ciclo. Sei que não funciona assim com todo mundo. Mas eu decidi que não escreveria mais aquelas poesias que precisavam de dor para nascer. Percebi que eu precisava continuar escrevendo, mas precisava de novas inspirações. Escrevi sobre livros que me encantaram, sobre jogos que me divertiram, sobre filmes que me levaram a outros lugares. E com os anos a escrita tomou um novo sentido para mim.
Às vezes aquela tristeza imensa e sem motivo ainda se esgueira, se infiltrando nas rachaduras do cotidiano, acenando e tentando trazer de volta tudo que a acompanha. Mas deixo-a lá, porque tanta coisa na minha vida já mudou.
Elena se apresenta como um documentário que é quase ficção, construído por memórias, pelo que foi , pelo que poderia ter sido e pelo que ficou. É um projeto visivelmente pessoal, que transborda na tela repleto da subjetividade da autora. Elena é poesia visual.
INFERNO
as chamas
me chamam
me queimam
me abrasam
me coram
me sinto tão sem vida
me sinto tão morta
me sinto tão só
me sinto tão assassina
(matei a vida
matei a alegria
matei o riso
matei a ênclise)
fujo pelos cantos
como uma sombra
sem rumo
como um cão
sem dono
a uivar sua dor
para uma lua
indiferente
rasgo minhas vestes
rasgo minha carne
(atiro-a aos chacais)
no desespero
dos que não sabem
como andar para frente
esses meus erros
esses meus medos
essas minhas dúvidas
essas minhas perdições
essas minhas crises
essa minha falta de senso
que queimem no inferno!
eu estou lá agora…
31/05/2003
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