Estante da Sala

Livro: Gaga Feminism, de J. Halberstam

É difícil avaliar um livro como Gaga Feminism, publicado em 2012 e escrito por Jack Halberstam, professor de inglês e do Centro para Pesquisas Feministas da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. Halberstam aborda principalmente questões relacionadas ao que chama de masculinidades femininas, especialmente homens transgêro e mulheres cisgênero que são butchesMas o livro aborda muito mais do que isso: há diversas análises às repeito de gênero e sexualidade que partem de um ponto de vista da cultura pop, explorando principalmente os filmes lançados nos últimos anos. E ainda funciona como um manifesto do que chama de Gaga Feminism, termo que foi inspirado por Lady Gaga e que seria uma proposta de feminismo contemporâneo e diverso. Essa é parte problemática do livro para mim: a teorização é inconsistente. Por mais que o autor fale que sua proposta de Feminismo Gaga é isso ou aquilo, é difícil de entender sobre o que ele realmente está falando. O manifesto propriamente dito é confuso e um emaranhado de frases de efeito. Mas o Manifesto Gaga é apenas o quinto capitulo do livro.

O primeiro é Gaga Feminism for Begginers (Feminismo Gaga para Iniciantes). Nesse, além de atacar o trabalho da também feminista Susan Faludi, Halberstam fala de um mundo (que teoricamente seria o ocidente contemporâneo, mas não o reconheci nessa descrição) em que mulheres possuem maior sucesso profissional e salários do que os homens e onde esses tornam-se obsoletos, a não ser pelo desejo ainda persistente de uma relação amorosa. Cita filmes mumblecore e outros, como as comédias de Judd Apathow para exemplificar essa realidade. Por fim faz uma análise interessante sobre como esses filmes apresentam novas questões a respeito da sexualidade. Mas conclui explicando que o Feminismo Gaga é um feminismo mutante, alterando constantemente suas posturas políticas. “Esse feminismo não é sobre irmandade, maternidade, sororidade, ou mesmo mulheres”. E aí vejo um problema.

No segundo capítulo, Gaga Genders (Gêneros Gaga), discute questões relacionados aos corpos e à reprodução. O gancho para essa discussão é a superexposição de homens trans grávidos pela mídia. Com isso, ele discute a necessidade de eliminar distinções baseadas em genitália. Além disso, foca na reprodução artificial, que tiraria o papel reprodutivo vinculado ao corpo feminino e igualaria os papeis de pai e mãe. Por isso, ele analisa outras formas de familiaridade e parentalidade para além do que chama de “tirania da família nuclear”.

O terceiro capítulo, Gaga Sexualities: The End of Normal (Sexualidades Gaga: O Fim do Normal) explora questões relacionadas a nomenclaturas e faz uma crítica muito interessante à padronização pela academia de termos euro-americanos em detrimento dos locais. Citou o exemplo de uma conferência em que esteve em Zagreb e que na ficha de inscrição, na parte sobre gênero, havia a opção “transgênero”. Ativistas croatas e eslovenos reclamaram, pois essa não era a forma local de se referir a pessoas trans. Ativistas do Quirguistão  informaram que a maneira que eles se utilizam para se autodenominar é determinada pela idade, assim como o status de classe e o grau de variação de gênero da pessoa. Ou seja, existem nomenclaturas diferentes para inúmeras combinações desses fatores. O capítulo trabalha de forma interessante a descolonização dos estudos relacionados a gênero, citando ainda outros exemplos e, claro, filmes.

O quarto capítulo foi o de leitura mais interessante. Chamado Gaga Relations: The End of Marriage (Relações Gaga: o Fim do Casamento), ele conta com os motivos pelos quais o autor não apoia a causa do casamento LGBT. Como uma instituição excludente, para ele deveríamos lutar para acabar com ela e abraçar novas formas de relacionamento, ao invés de querer expandi-la. Buscar a legitimação de um Estado que nega direitos seria nada mais nada menos do que validar o poder deste mesmo Estado. Utiliza comédias românticas recentes, como Missão Madrinhas de Casamento, Noivas em Guerra, A PropostaEle Não Está Tão a Fim de Você, por exemplo, que primeiro desconstroem a ideia e mesmo a necessidade de um casamento convencional, para depois “premiar” a protagonista com esse tipo de relação no final. Provocativamente escreve “o casamento é o cum shot da comédia romântica”.

É interessante que Halberstam nunca utiliza a palavra bissexual e parece tratar a sexualidade numa polaridade hétero-homo bastante compartimentada, embora fale que seja preciso acabar com essa dualidade e abraçar o queer. Da mesma forma critica o que entende como um feminismo branco e elitista, mas suas próprias proposições muitas vezes parecem ser o mesmo. O manifesto e a parte teórica são o menos interessante em seu livro. Os momentos em que consegue expressar melhor suas ideias são justamente aqueles em que fala de sua vida pessoal e também os trechos ensaísticos sobre filmes.

gaga feminism

 

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