Publicado originalmente em 3 de novembro como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Dirigido por Lúcia Murat, Praça Paris tem como protagonista Glória (Grace Passô), que é ascensorista em uma universidade na cidade do Rio de Janeiro. Dos prédios de arquitetura marcante onde trabalha, é possível ver a favela onde reside: são duas cidades em uma só, dois territórios com leis diferentes e com diferentes perspectivas de trajetória para seus moradores. Glória convive com a violência, na forma do abuso sexual impingido pelo seu pai, desde muito cedo. Hoje visita sempre o irmão, Jonas (Alex Brasil), na cadeia, onde cumpre pena pelo seu envolvimento com o tráfico, levando a ele uma marmita com comida caseira que prepara com carinho.
Devido às grandes dores que carrega consigo, Glória passa a se consultar semanalmente com a psicóloga Camila (Joana de Verona), uma portuguesa que veio ao Brasil para pesquisar os efeitos da violência. Seu cotidiano é justamente preenchido pela violência, seja no tiroteio que a impede de voltar para casa, seja na surra levada da polícia, que sabe do papel que seu irmão ocupa, mesmo encarcerado. Mas a conexão entre as duas é difícil: nada que Camila já tenha vivido abarca as experiências de Glória. Em cima de sua mesa é enquadrado um livro sobre psicanálise e empatia, mostrando sua vontade de criar canais de comunicação. Mas ela mesma se descobre perdida, espelhando sua avó, sempre presente, na beira do abismo.
A relação entre as duas, descompassada, não é pautada só nas diferenças étnico-raciais e de classe, mas também em um certo olhar colonial da estrangeira que anedoticamente ainda pensa no Brasil como um lugar exótico de hábitos bárbaros, como confrontada por um comentário de seu namorado. As trajetórias das duas protagonistas se entrelaçam, ao mesmo tempo que se distanciam nos mínimos detalhes: nas roupas, nos meios de transporte, na configuração de suas casas.
O elenco todo é competente, mas Grace Passô se destaca: o que ela consegue fazer apenas com o olhar não é para muitos, especialmente quando transmite os momentos de doçura da personagem. Ela merecia mais espaço na trama, em relação à outra protagonista, igualmente necessária, mas menos interessante.
O filme flerta com o cinema de gênero, construindo suspense na paranoia branca da psicóloga. Ao conviver com os relatos de Glória, passa a acreditar que ela mesma será envolvida por aquelas violências. Não consegue entender os contextos relacionais que os levam a acontecerem. Trancafiada em seu consultório, suando com o ventilador ligado e o ambiente repleto de fumaça de cigarro, vive um noir tropical. A beleza está no fato de que o suspense só é possível se o espectador comprar o discurso que está sendo vendido, como se ao ajudar as pessoas que morem na favela, invariavelmente algo de ruim se voltará contra você. Utilizando, no limite, estereótipos que podem ser perigosos, o filme se segura na direção para que eles não se confirmem, apoiando-se, também, na cumplicidade de quem o assiste.
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