Em uma pequena cidade no interior da Inglaterra em 1959, uma viúva decide comprar uma casa antiga e abrir uma livraria. Florence Green (Emily Mortimer) é alertada para o fato de que as pessoas do local não tem o hábito de ler, mas insiste na ideia. O imóvel está caindo aos pedaços mas ela se muda para ele, começando os reparos e encomendando os primeiros volumes. E assim conhecemos A Livraria, adaptado de um romance de Penelope Fitzgerald, com roteiro e direção da cineasta espanhola Isabel Coixet.
Florence é convidada para uma festa que conta com a mais alta sociedade local, organizada pelo General Gamart (Reg Wilson) e por Violet Gamar (Patricia Clarkson). Opta por um vestido que insiste em dizer, repetindo as palavras da costureira, que não é vermelho, mas bordô profundo. E assim conhece a acidez de Milo North (James Lance), celebridade local mordaz que lhe diz que vermelho é para empregadas domésticas em dia de folga. E, por fim, é avisada por Violet que ela tinha outros planos para a velha casa: queria construir um centro público de artes para a região.
O filme parece se propor a ser uma fábula de superação da viúva perseguida, mas a qualidade do texto é tão sofrível que nem Mortimer consegue dar conta. Além disso, em termos de discurso, é no mínimo questionável Florence não se importa que as pessoas não se interessem por livros. Com aquele apego de superioridade que costuma acometer amantes de determinadas artes, sua crença na conversão dos demais é inabalável. “Para que a população dessa vila precisaria de um centro de artes?”, ela se indaga, ao mesmo tempo em que enxerga seu próprio negócio particular como um alento para eles.
Os personagens são incomodamente unidimensionais. Os patronos Gamar parecem agir apenas com intuito de prejudica-la e North é tão afetadamente caricato que em certo momento parece ter havido a decisão de inserir uma namorada inócua na história apenas para que não se apontasse a sua criação como a de um capanga gay estereotipado de um filme noir dos anos 40.
O conservadorismo prevalece e mesmo Florence, a protagonista, como boa moça que é, guarda a viuvez e a memória do marido há anos, se privando de qualquer prazer carnal e dedicando-se às letras. Quando se relaciona com alguém, é Edmund Brundish (Bill Nighy), o velho viúvo da cidade, que vive isolado, e tem idade para ser seu pai; ou as crianças. Aliás, quando arruma sua loja, ela chama um grupo de meninos escoteiros para montar seus móveis. Crianças montariam móveis melhor que uma mulher adulta apenas por serem meninos?
Mas o pior é a forma como é retratada sua relação com Christine (Honor Kneafsey). A menina, extremamente madura, uma entre muitos irmãos de uma família desprivilegiada, é contratada como assistente de sua loja, do jeito que aqueles bons e velhos tempos permitiam. Avisa que não vai ler os livros, mas ajuda a carregá-los e a atender os clientes. Nos intervalos Florence brinca com ela e se oferece para ajudar com sua lição de casa. Quando descobre a péssima qualidade das atividades oferecidas e do ensino como um todo, não faz nada a respeito. E quando é notificada por contratar ilegalmente a mão de obra de uma criança, mostra-se ofendida, afinal, são amigas.
Com um figurino caprichoso que delega a Florence cores em tons de mostarda, verde e marrom, o filme tem uma estética extravagante bastante planejada compondo a trajetória da personagem. A Livraria consegue defender, com cores bonitas e muito açúcar, a proprietária e empreendedora de um pequeno negócio que se recusa a abrir mão dele para uso público que poderia beneficiar a população e que trata como brincadeira a exploração de trabalho infantil. É a améliezação do feminismo liberal.
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