Texto escrito e originalmente publicado em 26/04/2004, em um blog já falecido.
(Ainda estou publicando materiais antigos por falta de tempo para produzir novos. Peço desculpas e a compreensão de todos)
“Mas o que eu mais fazia era pensar, no jardim, entre canteiros comportados e morangos alegres. Que vida mais sem sentido era aquela minha? Por que tudo comigo era assim, esgarçado, triste? Por que as alegrias duravam tão pouco”.
Esse é um trecho do livro As Parceiras, de Lya Luft. O tipo de livro que quando a gente pega, só larga quando terminou. Já nas primeiras vinte páginas eu estava maravilhada, pensando que esse era um livro que eu queria ter escrito. Intimista. Atormentado. Melancólico. Plácido. Conta a vida de Anelise através de suas próprias lembranças. A vida dela e de sua família, “uma família de loucas”. Sua avó, confinada em um mundo branco e infantil, após o trauma de casar aos 14 anos com um homem violento. Sua tia Dora, que queria fugir da sina das mulheres da família e viver uma vida normal. Casou e descasou algumas vezes e ganhava a vida como pintora. Em papel esboçava anjos, mas nas telas pintava somente demônios. “Talvez porque eu não acredite em anjos” … E as pessoas compravam. A tia Beatriz, tia “Beata”, a viúva-virgem. Sua mãe, criatura frágil e alienada como sua avó, melancólica, que era feliz em um casamento teatral, pois seu marido não a deixava apenas porque sabia que sem seu amor ela não aguentaria. Ela vivia apenas pra ele, esquecia-se da existência das filhas. Sua tia Bilinha, a anã retardada. Sua irmã Vânia, que queria ser independente como sua tia Dora, mas descobriu o que é apanhar da vida. E ela. Anelise. Os trancos que a vida lhe deu. Seu casamento que virou amizade. Sua convivência com a morte, que veio cedo em sua vida e ali se alojou. Os acidentes, os suicídios. A melancolia. Quase quarenta anos e já tão velha. A dor. A solidão. A vida vista como um sótão: cheia de lembranças guardadas, algumas até boas, mas tudo empoeirado e se desmanchando no tempo. Um livro realmente mágico. Lembra de certa forma Clarisse Lispector, mas não por ser psicológico (muito pelo contrário, é emocional), mas sim por atingir-nos no ponto certo. E nos fazer parar pra pensar… em muitas coisas… na vida, na morte, na amizade, no amor.
“Por que não morremos num período assim? Antes que tudo comece a esboroar. Nem sei se é no fundo ou na superfície que começa a erosão. A primeira tristeza não partilhada. A primeira solidão em que se vira as costas e, ao voltar, não se encontra mais a presença reconfortante. Apenas outra solidão, de costas. A consciência alerta: está acabando, está acabando. Talvez não ainda o amor, mas a alegria está acabando.”