Assistido em 17/01/2014
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Muita polêmica envolveu o filme Azul é a Cor Mais Quente, baseado nos quadrinhos de Julie Maroh (que não li) e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2013. Como todos os filmes fora do circuito-comercial-blockbuster, ele não havia passado nos cinemas em Manaus na época de sua estreia nacional. Mas para minha grande surpresa, entrou em cartaz na última sexta feira, dia 17/01, em uma sessão, conforme relatado por Natasha. O diretor Abdellatif Kechiche foi acusado pelas atrizes de manter comportamento inadequado, deixando-as sob pressão. Seus métodos são bastante questionáveis.
A trama conta a história de Adéle (Adèle Exarchopoulos), uma garota que está no ensino médio e, embora tenha seus relacionamento, parece-lhe que falta algo. Até que conhece Emma (Léa Seydoux), uma jovem universitária de cabelos pintados de azul que vira seu mundo de cabeça para baixo. A primeira vez que Adéle vê Emma acontece em uma cena belíssima, em que ela a vê de relance, atravessando a rua, para depois se perder na multidão. Ao contrário da conversas com o garoto com quem ficava anteriormente, as com Emma fluem e sempre há assuntos interessantes para abordar. E claro, há a curiosidade e a paixão. E a cena do primeiro beijo é belíssima, concretizando essa paixão em algo maior, singelo e doce, iluminado pelo sol do dia mais lindo. Aliás, toda a fotografia é linda.
Uma das polêmicas envolvendo o filme são as cenas de sexo, que juntas, somam em torno de quinze minutos. Algumas pessoas chamam-no de “pornô glorificado”. Não concordo com essa afirmação, acredito que falta sensibilidade na percepção das personagens a quem a profere e explico-me: a abordagem do diretor é obsessiva e naturalista. Adéle é filmada o tempo inteiro: dormindo, sentada no ônibus, comendo, pensando, respirando pela boca. A construção da personagem é lenta e mostra cada aspecto de sua rotina, mesmo os mais banais. Assim, já mostrando que aspecto de sua vida é importante para seu entendimento, nada mais lógico que incorporar suas descobertas sexuais à trama. Comentei no podcast do Cinema em Cena com o tema “Filmando a homossexualidade“:
Devo discordar dos meninos quando falam que a cenas de sexo entre mulheres é considerado bonito, como sendo algo positivo. O que acontece é que casais de mulheres praticamente só recebem dois tratamentos: ou confinadas a uma relação doméstica, de amizade, praticamente assexuada (que é meio o que acontece no citado Minhas Mães e Meu Pai) ou uma relação fetichizada para o olhar do homem heterossexual.
Dentro do primeiro tipo de representação temos outro exemplo em As Horas: Clarissa e sua namorada aparecem quase como duas senhoras amigas. Aliás, no mesmo filme oculta-se a bissexualidade de Virginia Woolf, que mantinha um casamento aberto com seu marido e por anos teve um relacionamento com a escritora Vita Sackville-West.
O mesmo acontece em A Cor Púrpura: enquanto no livro o processo de criação de autonomia, agência e voz de Celie passa pela sua longa relação com Shug, que envolve diversas descobertas sexuais, no filme ambas são apenas amigas.
Aqui fico dividida. Sem dúvida que a relação mostrada não é duas amigas. E as cenas também parecem ter grande naturalidade. Mas por outro lado, foca-se em estética que visa agradar qual expectador? A câmera percorre lentamente a pele das atrizes, que não possuem um único pelo, enquanto performam suas posições. Em contrapartida, não é interessante que uma relação entre mulheres não seja ocultada, como tantas vezes acontece?
Percebemos as primeiras diferenças entre as personagens quando elas conhecem os pais uma da outra. O que se vê é o choque das diferenças sociais. Os pais de Adéle, de classe trabalhadora, jantam espaguete todos os dias assistindo televisão. Ao descobrirem que Emma é artista, mostram-se preocupados, pois ela precisa de uma “profissão de verdade” como segurança. Ou um marido rico. Já os pais de Emma, de classe-média-burguesa, jantam ostras e ao obterem de Adéle a resposta de que ela quer ser uma professora primária, estranham sua falta de ambição, pois ela poderia ser qualquer coisa. Nessas pequenas diferenças de expectativas começa-se a construir o fim.
Azul é a cor mais quente. Todo o filme é mergulhado em tons fortes de azul que marcam os momentos mais importantes, até a última despedida. Emma é desejo e seu cabelo azul é um dos fatores que chamam a atenção de Adéle. A relação se constrói em cima do azul. Já morando juntas, Adéle trabalha como professora, enquanto Emma expõe sua arte. A relação se hierarquiza e vemos uma Adéle que se desdobra para cozinhar para os amigos de Emma e depois lavar toda a louça, sem ajuda alguma. Uma dona-de-casa e uma mulher que trabalha fora, ambas com papéis bem marcados. Em meio a esse desnível entre papéis sociais e domésticos, o cabelo de Emma vai se apagando, deixando de ser azul e voltando ao loiro natural. Aqui, amarelo é uma cor fria. Quando encontra Emma anos depois, já com outra companheira, seu cabelo permanece nessa cor: a chama nunca mais se acendeu, a paixão nunca mais foi a mesma.
Causou-me certo incômodo ver os xingamentos relacionados à sexualidade que uma diz à outra durante as brigas. Mas a pessoa que me acompanhou ao filme ressaltou: por mais militante ou esclarecida que a personagem possa ser, ela ainda é humana e, sendo assim, busca palavras para ferir. E com isso reproduz-se machismos e comportamentos que não deveriam existir entre duas mulheres, mas infelizmente, ocorrem.
Azul é a Cor Mais Quente é um filme calmo e cheio de tensão, doce e dolorido. É um filme sobre relações e os seres humanos nelas envolvidas, sobre amor, completude e vazio. É um belo filme.
adorei a interpretação dos filmes através das cores! muita coisa boa pra pensar nesse filme 🙂 amei!
Esse lance das cores me lembrou O Poderoso Chefão com o laranja, hehehe. Mas enfim, também pensei dessa forma quando observei as cores do filme, e no final a Emma usa vermelho, enquanto a Adèle ainda está de azul, meio que presa ao que ela tinha com a outra personagem.
Se vc achou o filme doce e bonito (eu achei arrastado, mas enfim, ehhe), precisa ler os quadrinhos. É de uma delicadeza sem tamanho ♥
Beijo!
Ah, quero ler os quadrinhos mesmo! 😉