Assistido em 27/03/2013
Hitchcock, seu lindo! Sigo vendo seus filmes e me apaixonando pelo seu uso da técnica num gênero considerado “menor”. Festim diabólico é um filme interessantíssimo! Primeiro filme com fotografia colorida do diretor, ele se passa totalmente dentro da área social de um apartamento. Para começar a ideia do suspense já é subvertida logo de início: geralmente nós temos a implicação de que um crime irá acontecer e o suspense é gerado pela ansiedade de aguardar esse momento. Aqui, o filme abre com um rapaz, David, sendo enforcado por dois de seus amigos, Brandon e Phillip e depois colocado dentro de um baú. Assim não há mistério nenhum em relação a quando ocorrerá a morte ou quem é o assassino. Brandon crê que o crime tem que ser executado como uma obra de arte e por isso resolve promover uma festa no local do crime, convidando Sr. Kentley, o pai de David, Sra. Atwater, uma tia fanática por astrologia, Janet, namorada de David, Kenneth, outro amigo do grupo (e ex-namorado de Janet) e, por fim, a Rupert Cadell (James Stewart), um professor que dá aula a todos os jovens na universidade e que Brendon admira, além da Sra. Wilson, a empregada . O baú onde jaz David ocupa a parte central da sala de estar, estando praticamente o tempo todo na nossa frente, nos lembrando que alguém pode abri-lo a qualquer momento. Desse modo, na verdade, o suspense se dá na forma como os dois assassinos lidam com os demais convidados e no crescendo de ansiedade, principalmente por parte de Phillip, de que eles possam ser descobertos.
Outro ponto muito bom são os diálogos, que são afiadíssimos. Em uma cena a sra. Atwater conversa com Cadell sobre cinema, mas deixa claro que não se importa com nada de verdade, não conseguindo lembrar sequer os títulos dos filmes. Cadell dá respostas debochadas imitando ela e menciona que certa vez foi ver um filme de Mary Pickford (estrela do cinema mudo, nas décadas de 10 e 20), ou seja, também não está exatamente atualizado. Ela ainda pergunta se ele prefere Errol Flynn ou Cary Grant. (ah, Cary Grant, por favor!). E de tirada em tirada constrói-se um filme inteiro com palavras como “diabólico”, “criminoso” e similares sendo usadas em todas as cenas, especialmente se referindo a Phillip. Há também um certo subtexto de homossexualidade implicado que é muito corajoso pra época.
O tempo da história é o tempo real: parece que a festa dura exatamente a duração do filme. Ao começar vemos o sol lá fora pelas amplas vidraças ao fundo da sala e depois vemos o anoitecer, até estar totalmente escuro. Aliás, essa é a parte mais interessante do filme: a forma como foi feito para parecer em tempo real. Como em uma peça de teatro, a câmera se desloca pelo ambiente e faz seus zooms e mudanças de direção, de maneira a não ter cortes aparentes durante as sequências, que são bastante longas. Percebe-se o uso de montagem e corte quando por vezes ela passa em um fundo escuro, por trás de algum personagem por exemplo, “encostando” nas costas de seu terno para escurecer a imagem, girando e saindo do outro lado com o começo de outra cena já apontado. A execução é muitíssimo bem feita e tecnicamente é intrigante ver um filme que parece se desenrolar inteiro sem cortes.
Sobre o uso de cor, os figurinos são um tanto quanto monocromáticos, e mesmo as mulheres utilizam roupas escuras. Janet, a “viúva”, veste um tom de vinho bem escuro. É como se todos os personagens já estivessem de luto. Nas cenas finais, com o clímax chegando e a noite já instalada do lado de fora do apartamento, vemos os rostos dos envolvidos mudarem de cor rapidamente, iluminados pelos letreiros de neon do lado de fora, demonstrando a tensão instalada em cena.
O final em si tem o tipo de moralismo que a época (e a censura) exigia. Mas isso nem de perto eclipsa todo o resto que o filme oferece.
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