Assistido em 09/01/2014.
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Toda obra deve ser analisada dentro do contexto da época. Isso vale para linguagem, técnica e mesmo para o tratamento de personagens. Mas às vezes desligar o olhar contemporâneo torna-se tarefa impossível e foi isso que me aconteceu ao ver a versão de 1934 de Imitação da Vida. Aclamado por ser o primeiro grande filme a abordar questões a respeito de racismo, a incômoda trama não sobrevive sem ser ela mesma considerada racista e condescendente.
Ao começo da história Bea (Claudette Colbert) é uma mulher recém enviuvada, com dificuldades financeiras e passando trabalho para cuidar da filha de dois anos e ainda garantir seu sustento vendendo calda (maple syrup). Certo dia Delilah (Louise Beavers) aparece em sua porta pedindo emprego como empregada doméstica, em troca de moradia e comida para ela e sua filha pequena, Peola. Delilah faz panquecas deliciosas e sem sequer consultá-la, Bea decide montar uma lanchonete, como maneira de unir seus dois produtos. O negócio expande e com o passar dos anos e mudanças nas estratégias de negócios, torna-se uma empresa milionária.
Assim começam os problemas que tive com a história. Se o filme abordasse duas mães lutando para criar suas filhas sozinhas, bem como a amizade entre elas, poderia ter sido interessante. Delilah é o estereótipo da “Mammy” americana: servil, abnegada, não quer nada para si. Quando Bea lhe oferece a ridícula parte de 20% nos negócios de sua própria fórmula de panquecas, ela se recusa a recebê-la, doando-a integralmente para sua senhora mestra. Também não almeja ter uma casa própria, preferindo continuar a servir Bea na casa desta. Quando esta já uma milionária, vestida em peles e empresária de sucesso, Delilah ainda se satisfaz fazendo massagens em seus pés.
Sobra o pai de Peola (Fredi Washington) nada é dito, apenas que trata-se de um homem de pele clara. Quando crescida, a moça passa-se por branca e mostra-se constrangida com a presença da mãe. Em nenhum momento questiona-se o racismo da sociedade que leva a garota a desejar não ser negra. O único problema relatado é o fato de ela não aceitar-se como negra, que jamais poderia fazer o mesmo que os brancos e sendo, portanto, culpabilizada pelo que lhe acontece.
Uma trama secundária e absolutamente irrelevante é apresentada quando Steve (Warren William), um ictiólogo galanteador, se aproxima de Bea. Um romance se estabelece apenas para ser prejudicado pela paixonite da filha adolescente dela, Jessie (Rochelle Hudson), em relação ao namorado da mãe.
Nem a sucessão de belíssimos trajes salvam o filme. Embora haja o argumento de que Delilah seja um exemplo de pessoa boa, é difícil aceitar essa visão ao vê-la curvar-se diante do status quo e representar o papel de serva ao longo de toda a vida.