Lou Andreas-Salomé. É provável que você, assim como eu, nunca tenha ouvido falar desse nome. E isso é mais do que sintomático. Louise von Salomé foi uma romancista, filósofa e psicanalista. Roteirizado (juntamente com Susanne Hertel) e dirigido por Cordula Kablitz-Post, o filme que leva seu nome se propõe a relatar um pouco de sua biografia.
A protagonista é retratada em diversas idades. Quem rememora sua história é ela mesma, aos setenta e dois anos (Nicole Heesters). Nascida em 1861, aos seis anos (Helena Pieske) queria ter as mesmas liberdades que eram oferecidas a seu irmão. Aos dezesseis (Liv Lisa Fries) se instruiu aprendendo filosofia e teologia com um tutor. Já adulta (Katharina Lorenz), cursou faculdade, um feito raro, dificultado à maior parte de suas contemporâneas. Aos vinte e quatro anos publicou seu primeiro romance. Para consegui-lo, precisou utilizar um pseudônimo masculino. Nessa fase de sua vida, o filme foca no ambiente movimentado de intelectualidade que ela costumava frequentar. Assim ficamos sabendo de seu relacionamento com Nietzsche e Paul Rée, de seu romance com Rainer Maria Rilke, das aulas que recebeu de Freud. Em certo momento ela fala que a falta de espaço para uma mulher se desenvolver é tão ruim como a de liberdade para um homem. Por meio de seus estudos e de seus relacionamentos refletiu sobre questões da mulher, erotismo e sexualidade. Como cinebiografia, Lou utiliza uma estrutura narrativa bastante tradicional. Esteticamente o elemento que chama atenção são as transições, feitas com o uso de postais de cada época e lugar e a inserção de sua protagonista neles. Destaca-se o humor e a forma reverente, mas não rígida com que a personagem é tratada.
E aí divago. Quando eu tinha doze anos, aspirante a escritora, visitei Lindolf Bell, um poeta que eu admirava. Mais tarde, no mesmo ano, pouco antes de falecer, ele me presenteou com um exemplar de Cartas a um Jovem Poeta, do próprio Rilke. Nessa época, proto-feminista, eu costumava dizer que era poeta, e não poetisa, porque poesia não tem gênero. Hoje, feminista com um tempo de estrada, digo que literatura tem, sim, gênero, e ele fica patente nesses pequenos detalhes. É claro que minha referência naquela idade era Bell (embora a escritora que eu mais lesse fosse Agatha Christie). É claro que o autor escolhido por ele para me presentear foi Rilke. (Não estou o criticando pessoalmente). Mas é triste ver como vivemos em uma estrutura social onde a arte ainda é masculina e naturalizada como tal. E facilmente uma pessoa pode passar anos sem nem perceber que simplesmente não lê obras que foram escritas por mulheres. Eu poderia ter lido um romance de Lou, se ela pelo menos sua obra tivesse sido traduzida para o português, e assim ter tomado conhecimento de uma mulher inspiradora e que vivia envolta às letras, como eu desejava fazer. Mas não. Restou-me Rilke. Não conhecia Lou, não conhecemos Lou, deixamos passar despercebido o trabalho de tantas mulheres.
Lou pode ser convencional, mas ainda assim impressiona. E impressiona, talvez, mais por esses elementos extra-filme do que pelo filme em si. Basta pensar em todos esses homens que a rodearam: Nietzsche, Rilke, Freud. Eles são absolutamente célebres: mesmo alguém que nunca leu nenhum de seus trabalhos, reconhece seus nomes e sua importância. E como não a conhecemos? No final é necessário uma mulher escrever e dirigir um filme como esse pra que o público conheça outra mulher. E de certa forma é um pouco decepcionante, depois de toda a trajetória de vida apresentada, não conseguir tomar forma do que realmente era o trabalho de Lou por meio da película, que foca justamente nessa sucessão de homens célebres. Mas não deixa de ser interessante e mesmo necessário.
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