Esta crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 18 e 31 de outubro na cidade.
Em 1993, a jovem Cameron (interpretada por Chloe Grace Moretz) é flagrada por seu namorado ficando com sua melhor amiga. Órfã, ela é criada por uma tia conservadora, que resolve enviá-la a um acampamento chamado God’s Promise (Promessa de Deus) que tem por objetivo a prática de uma espécie de “cura LGBT” e que é coordenado pelo Reverendo Rick (John Gallagher Jr.). Em tempos em que os direitos assegurados por minorias sexuais estão sendo ameaçados e, em meio a um conservadorismo cada vez mais raivoso, em que se tenta impedir qualquer diálogo com adolescentes a respeito de suas dúvidas sobre sexualidade, esse drama chega em boa hora.
Com uma linguagem descomplicada e pitadas de humor, o filme dá conta de abordar questões sobre crescimento e descoberta da sexualidade de uma forma que facilmente ressoará em uma plateia da idade da protagonista. A história é adaptada do livro de mesmo nome de Emily M. Danforth, roteirizada por Cecilia Frugiuele em parceria com a diretora Desiree Akhavan.
No acampamento Cameron descobre que o próprio instrutor, Rick, se apresenta como um “ex-gay“, assumindo a postura de prova da possibilidade de “recuperação”. A religião cristã ocupa papel central nas atividades e a lesbianidade, a bissexualidade e a homossexualidade são tratadas como doença sob a sigla APMS (Atração por Pessoa do Mesmo Sexo). Nesse sentido os jovens passam por uma espécie de auto-análise, que envolve a utilização de estereótipos de gênero e de psicologização de comportamentos. O resultado é um constante abuso emocional, numa tentativa de fazer cada adolescente odiar a si mesmo para poder ocultar sua sexualidade.
O contraponto à esse tratamento cruel é dado pela companhia, apoio e carinho de outros adolescentes. Cameron logo se torna amiga de Jane (Sasha Lane) e de Adam (Forrest Goodluck) e com os dois vai sobreviver às violências institucionais do local. Assim como em Sense8, Whats’s Up, de 4 Non Blondes ganha uma cena de destaque para frisar a amizade do trio. Em seus momentos de leveza e crítica ao sistema religioso de opressão da expressão da sexualidade, o filme lembra vagamente Nunca Fui Santa (But I Am a Cheerleader, 1999), comédia dirigida estrelada pela Jamie Babbit e estrelada por Natasha Lyonne, em que o instrutor do processo de cura é interpretado por RuPaul. Mas isso guardadas as devidas proporções, uma vez que aqui, apesar dos momentos de leveza, a narrativa não se furta ao peso das ações nela contidas.
Por isso é significativo que por mais que Rick possa parecer um personagem caricato e em alguma medida cômico em certos momentos, suas derradeiras aparições demonstram a incerteza sobre suas próprias ações e a enorme solidão em que se colocou. Isso se opõe à parceria silenciosa mas explicitada entre os jovens. Dessa forma, tratandode temas pesados com uma certa delicadeza, O Mau Exemplo de Cameron Post (The Miseducation of Cameron Post) deixa a perspectiva de um futuro incerto, mas livre para seus protagonistas.
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