No ramo de seguros, “vício inerente” é quanto um objeto tem um defeito oculto ou uma propriedade que contribui para sua deterioração ou dano. Essas características o tornam inaceitável para ser segurado. O nome do filme já é intrigante, mas a trama é justamente sobre isso: elementos que se estragaram e nunca mais foram os mesmos.
Dirigido por Paul Thomas Anderson, Vício Inerente conta com um elenco impressionante, a começar por Joaquin Phoenix, que interpreta o protagonista Doc, um detetive particular que atua na Los Angeles movida a maconha de 1970. O filme demora para engrenar e seu primeiro terço é bastante lento, mas isso se justifica justamente por vermos tudo sobre o ponto de vista de Doc, cuja mente funciona desse forma. A narrativa é ele. E não por acaso ele é detetive. Trata-se de um neo-noir, com narração em off e uma femme fatale marcante, mas com o contraste de se passar em uma cidade ensolarada.
O gatilho de toda ação é o retorno da ex-namorada de Doc, Shasta (Katherine Waterston), que o avisa que está namorando com um magnata dos imóveis, Wolfmann (Eric Roberts), cuja esposa e o amante dela queriam coloca-lo em um hospício para ficarem com seu dinheiro. Confuso? Nem começou. A sucessão de personagens saltando na tela é imensa,mas todos os tipos são minimanten interessantes: o policial antagonista Bigfoot (Josh Brolin), a advogada Penny (Reese Whiterspoon), o infiltrado Coy (Owen Wilson), entre outros. Cada conexão leva a investigação de Doc para outro momento que desconstrói o anterior, mas a mistura não desanda graças à mão competente de Paul Thomas Anderson. Não só os variados e numerosos personagens são interessantes, mas seus planos são muito bem construídos, com composições belíssimas mesmo quando piscam na tela por poucos segundos, como uma paródia da santa ceia em determinado momento. Os planos médios ou fechados por vezes conferem um clima claustrofóbico à trama.
Destaco o figurino competente de Mark Bridges, que trabalhou em todos os filmes do diretor desde Boogie Nights. Entre camisas jeans, vestidos com estampas geométricas, batas, veludo cotelê e tudo mais, o conjunto é perfeitamente crível com a época retratada. As roupas de Doc, especialmente, passaram por um belo processo de envelhecimento e tingimento, mostrando-se desgastadas e com aparência de pouco lavadas e mesmo suadas e mal-cheirosas.
No final o vício inerente diz respeito justamente a essa época em que o movimento hippie estava em plena decadência. Por isso, apesar de o filme ter um certo humor negro, um tom de melancolia o perpassa também. Mas não é apenas a sociedade que estava mudando: o relacionamento entre Doc e Shasta também está danificado irreversivelmente.
Vício Inerente não chega no mesmo patamar dos melhores trabalhos de Paul Thomas Anderson, mas é sua direção segura e seu estilo visualmente impecável que garante que o filme permaneça coeso e envolvente.