Estante da Sala

[43ª Mostra de São Paulo] Bille (2018)

Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.

Durante a década de 1930, a menina Bille (apelido de Sibilla) morava com sua Mãe (Elina Vane) e seu Pai (Arturs Skrastins) em um cortiço na cidade de Riga, na Letônia. O Pai bebia demais e colocava a culpa de sua pobreza na Mãe, que, por ter medo de multidões, não trabalhava fora. A Mãe, que já havia sido assistente de uma modista, colocava a culpa, por sua vez, no nascimento de Bille (Ruta Kronberga). “Tudo seria diferente sem Bille”.

Com direção de Inara Kolmane e roteiro de Evita Sniedzs e Arvis Kolmanis, Bille é adaptado da autobiografia de mesmo nome da premiada escritora e poetisa Vizma Belsevica, nome que adota no futuro. A transposição do material literário para a tela transparece na narração em off em primeira pessoa que é utilizada no começo do filme. O recurso parece utilizar trechos do texto de forma integral, mas é abandonado conforme o filme avança.

Muito é escasso na vida de Bille: o dinheiro, os alimentos e o afeto materno. Mas lhe sobra apreço pelos livros, que alimentam sua criatividade e ajudam a criar mundos fantásticos. O mesmo acontece com o cinema, em que se deleita podendo ver com curiosidade o que chama de “a vida dos ricos”, que a ajuda a inventar versões menos duras de sua realidade, gerando um contraste entre o que é e o que ela queria que fosse.

Outras coisas também não são escassas: o carinho paterno, o empenho pela sua criação para ter outras possibilidades na vida e os pequenos momentos que se tornaram boas lembranças. Bille ganhou uma moeda do pai e pôde andar de carrossel e tomar sorvete. Em uma feriado nacional passeou com a vó para ver uma banda marcial e andou de bonde. Certa feita fez um passeio ao campo com os pais para visitar uma parenta da mãe, que rendeu grandes risadas. São esses pequenos momentos que criam respiros no dia a dia.

O filme tem uma linguagem bastante convencional, mas a composição que alterna momentos de frustração com pequenas alegrias cria um ritmo agradável, auxiliado pelas atuações. E é claro que para que Billle pudesse ter a sonhada mudança de vida, ela precisou de auxílio externo. Suas aulas de piano, sua entrada nos escoteiros e sua ida para a escola, todas foram financiadas por terceiros que não seus pais. O fato de ter acesso a esses lugares também a afastou de certa forma, do lugar de onde veio e das crianças com que convivia.

O filme constrói com sensibilidade momentos da infância da escritora, tratando com equilíbrio elementos diversos que a marcaram. Com isso, nunca cai no drama fácil e, portanto. não parte nem de uma idealização do passado nem da autopiedade proveniente dele. O que ele faz é dar pistas de que maneiras esses momentos influenciaram posteriormente Vizma Belsevica. Afinal, carregamos para sempre a criança que nós fomos.

Nota: 4 de 5 estrelas
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