Estante da Sala

A Bruxa (The Witch: A New-England Folktale, 2015)

https://www.youtube.com/watch?v=PoMYYUHn46E

A Bruxa é o primeiro longa escrito e dirigido por Robert Eggers. Antes desse filme, o cineasta havia trabalhado em curtas próprios e como diretor de arte, designer de produção e figurinista em outras obras. Essa experiência transparece no cuidado dado à construção de mundo em A Bruxa. Cenografia e figurino críveis nos transportam diretamente para o modo de viver dos colonos da Nova Inglaterra no começo do século XVII. De fato, realmente se trata de um conto popular, conforme o título original, pautado em crenças de então. Vendido como história de terror, o filme pode não satisfazer as expectativas de quem o encarar dessa forma.

A história começa com o julgamento de William (Ralph Ineson), o patriarca da família de protagonistas. Calvinistas puritanos, que já haviam deixado a Inglaterra em virtude de suas crenças religiosas, são expulsos da comunidade onde se instalaram por razões não reveladas. Por isso mudam-se para uma fazenda afastada, localizada nas bordas de uma floresta. Além do pai, compõem a família a mãe, Katherine (Kate Dickie); a filha mais velha, Tomasin (Anya Taylor-Joy); o filho do meio, Caleb (Harvey Scrimshaw); os gêmeos Mercy (Ellie Grainger) e Jonas (Lucas Dawson) e o bebê Samuel. A floresta é o limite do espaço a ser explorado pelas crianças: o desconhecido é perigoso. Thomasin brinca com o bebê justamente nas proximidades da mata, fecha os olhos e ao abri-los ele não está mais lá. Um vulto de capa corre por entre as árvores carregando-o.

O sumiço da criança traz a tona conflitos até então imperceptíveis na rotina familiar. As omissões e mentiras começam a aparecer, mas o maior embate é entre as crenças. A religiosidade rigorosa é externada ao espectador através das orações e dos pedidos de perdão. Mas diante da possibilidade de bruxaria, a desconfiança cresce e a hostilidade torna-se inquisitória, ainda que alguns anos antes de julgamentos como o de Salém. A tensão crescente se alimenta da paranoia.

Como boa história de bruxaria que é, a temática da vilificação da feminilidade não poderia deixar de aparecer. Katherine se ressente de Thomasin por ter perdido o bebê e deseja leva-la para a cidade, para servir na casa de outra família, pois a menina já está crescida. O pintinho encontrado morto em um ovo de galinha e a temática do sangue que repetidamente aparece indicam a chegada da menarca de Thomasin. Dentro do rigor do fanatismo religioso, o corpo da mulher cisgênero atingindo a puberdade precisa ser mantido sob controle. Assim, como a floresta, ele é natureza e, logo, temido e oculto. Também é entendido como fonte de pecado e como uma ameaça. Esta se manifesta até mesmo na confusão expressa por Caleb, pré-adolescente isolado do contato com outros de sua idade e sem acesso à instrução, ao vislumbrar partes da pele desnuda da irmã. É o desejo carnal pelo corpo feminino que o faz se perder. Não é a toa que em determinada cena próxima ao final, o menino, delirante e tomado pelo temor religioso, cospe uma maçã, o fruto proibido ofertado por Eva. A aparição constante de animais liga a bruxaria à animalidade e Black Phillip, um bode, tem alguns dos melhores momentos do filme.

Além da tensão fruto da desconfiança, o clima macabro do filme se constrói através de um marcado formalismo estético. A fotografia é particularmente bonita, especialmente quando capta o cotidiano da família no interior da cabana filtrado pela luz que vaza do exterior. Egger tem total controle sobre os aspectos visuais da obra. Pela temática e abordagem é fácil comparar o resultado a Anticristo, de Lars von Trier.

Ao longo do filme, as crenças e as dúvidas foram usadas de forma a abrir margem para interpretações ambíguas interessantes. Caso seja levado em conta que se trata realmente de um conto popular, o desfecho pode ser entendido como uma possibilidade metafórica de libertação feminina do jugo repressor. Como um filme de estreia, A Bruxa não é aterrorizante, como tem sido dito, mas demonstra o potencial criativo e dramático, bem como a estética elegante de Robert Eggers.

5estrelas

the witch

 

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3 thoughts on “A Bruxa (The Witch: A New-England Folktale, 2015)

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