Postado originalmente em 3 de novembro como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Agnès Varda é sem dúvida uma figura cativante. Aos 89 anos, dos quais mais de sessenta foram dedicados ao cinema, a diretora vive uma fase de reconhecimento pleno e foi homenageada com um Oscar honorário por sua trajetória, fato que ironiza, uma vez que mesmo esse seu filme mais recente foi realizado através de financiamento coletivo, como pode ser conferido logo nos agradecimentos dos créditos de abertura. E agora esse mesmo filme foi indicado na categoria de Melhor Documentário, sua primeira indicação ao Oscar. Mas a incansável senhora de cabelo bicolor é uma colecionadora de pessoas e suas histórias, transformando-as em suas deliciosas narrativas audiovisuais.
Em seu novo documentário firmou parceria com o fotógrafo e artista JR. O jovem costuma viajar em seu furgão devidamente adesivado com a imagem de uma câmera fotográfica na lateral e tirar fotos de pessoas comuns, que são impressas e muitas vezes aplicadas a grandes elementos verticais, como muros e paredes, criando murais. Varda resolve acompanha-lo pelos vilarejos do interior da França e coletar os rostos das pessoas que conhece pelo caminho, enquanto entabula diálogos com elas.
A primeira, Jeannine, é uma senhora que mora em um antigo conjunto de casas de mineiros, profissão exercida por seu pai. Ela diz que não pretende sair da casa, por mais que seja pressionada, sendo a última moradora (como uma Clara em seu Aquarius). É homenageada com um painel que cobre toda a fachada. E esse é só um exemplo: Varda está interessada nos pequenos detalhes das vidas das pessoas, mas traz também momentos da sua própria, além de um olho treinado para a visualidade, que compõe cenas belíssimas, com humor e sensibilidade sempre presentes, das pessoas, das obras, das paisagens e de sua combinação.
JR é um bom contraponto a ela: às vezes pesa um pouco a arrogância e o excesso de certezas da juventude, mas seu desejo de embarcar integralmente no projeto se mostra efetivo. Além disso, apesar da diferença geracional, a comunicação entre os dois é bonita de se observar. Mas no final das contas, o filme funciona essencialmente por causa de Varda. Essa figura simpática e carismática, que produz encantamento por onde passa e, apesar de algumas limitações físicas, ainda se preocupa com o criar. O resultado é um filme leve, que faz rir e chorar e a reafirmação de seu talento. O mundo precisa de mais Vardas: pessoas com alma intensa, que respiram arte e sabem transmiti-la.
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