https://www.youtube.com/watch?v=bsVU-P5jZCU
Corrente do Mal parte de uma premissa bastante simples e eficiente: uma pessoa pode passar para outra uma espécie de maldição, através de uma relação sexual. A maldição consiste um uma coisa (it) que assume a forma humana e persegue sua vítima até mata-la, tornando o transmissor sua vítima seguinte e assim por diante. A morte transmitida como uma DST funciona como uma ironia em relação aos filmes slasher tradicionais, em que o sexo e sua expressão sempre são punidos. Mas, mais que isso, implica em uma questão moral extra para os personagens perseguidos: passar ou não passar a maldição adiante, sabendo o que vai acontecer com quem recebê-la?
O desespero da primeira vítima, já no começo do filme, planta a atmosfera que vai se estender ao longo dele. Aqui não há sustos criados apenas para o espectador pular cadeira, nem um banho de sangue de grandes proporções: há uma ameaça constante que rodeia a protagonista em um crescendo e transmite a tensão a quem a testemunha.
Jay (Maika Monroe) é uma jovem que adquire a maldição de maneira bastante traumática do rapaz com quem estava saindo. Após ser dopada, ele lhe explica os mecanismos de funcionamento do que vai acontecer, para que ela possa passar adiante e distanciar o perigo dele mesmo. Ela é acompanhada em suas desventuras por sua irmã, Kelly (Lili Sepe); a melhor amiga desta, Yara (Olivia Luccardi); seu namorico de infância, Paul (Keir Gilchrist) e seu vizinho Greg (Daniel Zovatto). Os jovens não são céticos em relação aos relatos de Jay e por isso prontamente formam uma equipe para ajudá-la.
A direção de arte compõe um universo atemporal, composto por tecnologias de épocas diferentes e outras que ainda não existem. Os carros e televisões são das décadas de 60 a 80, mas existem celulares e mesmo um inédito e-reader em forma de concha. Os aparelhos de TV exibem filmes B em preto e branco sobre ameaças externas, enquanto no cinema está em cartaz Charada, filme de Stanley Donen de 1963 sobre uma mulher que não sabe em quem confiar após ter herdado uma grande fortuna. São pequenas intervenções que ao mesmo tempo fornecem pistas sobre a temática do filme e tornam ainda mais ambígua a época em que se passa.
A eficiência do suspense está no fato de que a criatura pode vir de qualquer lugar e adquirir a forma de qualquer pessoa. Se por um lado o andar característico delata sua presença, por outro a sensação de proximidade e perigo são constantes. Com uma motivação sexual, a criatura ainda traz a tona a possibilidade de relações pautadas em complexos de Édipo ou de Electra, assumindo a forma dos pais sempre ausentes dos personagens.
A fotografia é belíssima e capta metáforas visuais relacionadas à inocência e sua perda: uma flor branca em contraste com uma unha vermelha ou uma roupa casual em oposição a um scarpin vermelho dizem muito em termos visuais. Vermelho e rosa são cores constantemente utilizadas como alerta. A trilha sonora, bastante eficaz, remete ao trabalho de John Carpenter.
O subúrbio, com sua aparente calmaria, esconde o moralismo e o medo. Dirigido por David Robert Mitchell, Corrente do Mal é uma surpresa agradável dentro de um gênero que muitas vezes apela para o formulaico.