Esta crítica faz parte da cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ocorre entre 17 e 30 de outubro na cidade.
Vindo na esteira de filmes como Quase Dezoito (Edge of Seventeen, 2016), e Oitava Série (Eight Grade, 2019), Uma Colônia é um filme de coming of age que tem essa proposta de tratar a adolescência com mais proximidade e realismo do que filmes de gerações passadas. A diretora e roteirista Geneviève Dulude-De Celles é a responsável pela obra, cuja protagonista Mylia (Emilie Bierre) é uma garota que ingressou no ensino médio e por isso trocou de escola. Agora tem que lidar com sua própria timidez e a dificuldade de se encaixar entre as outras meninas, isso enquanto o casamento dos pais está acabando. A câmera na mão, quase sempre próxima da personagem, transmite um senso de inquietação e desassossego, traços de personalidade capturados em momentos que ela esfrega seus dedos nervosamente em grades ou janelas.
Mylia não consegue interagir com naturalidade com as outras meninas. A expressão corporal da atriz, com ombros retraídos e cabeça baixa, é significativa. Suas colegas são retratadas como jovens que usam esmaltes coloridos, maquiagem marcada, vão à festas à fantasia vestidas como ídolos pop e têm suas primeiras experiências de cunho sexual com garotos. Parece haver um certo ressentimento por parte da diretora com meninas como essas, pois recai sobre elas um julgamento sobre seu comportamento. O adjetivo “putas” chega a ser utilizado sem que haja qualquer refutação, mesmo se tratando apenas de modos diferentes de viver a adolescência.
A irmã de Mylia, Camille, é um adorável contraponto à sua inadequação social. A jovem atriz Irlande Côté entrega a personagem com doçura espevitada na medida certa. Sobre Mylia, no final das contas, pouco sabemos. Sua personalidade é uma incógnita e não fica claro que tipo de atividades lhe interessam.
Mas sua vida realmente muda quando quando fica amiga de Jimmy (Jacob Whiteduck-Lavoie), um menino indígena que estuda em sua classe e é ainda mais excluído das rodas sociais, não por vontade própria. Mesmo na escola, local que deveria ser, em tese, institucionalmente acolhedor, Jimmy precisa lidar com livros racistas no retrato dos povos indígenas e tem pouca ou nenhuma abertura do corpo docente para abordar o tema.
Há um discurso sendo discutido no filme a respeito da sobrevivência dos mais forte. Mylia começa pronta a aceitá-lo, usando uma das galinha de Camille, morta pelas demais, como exemplo. Depois, confrontada com a humanidade presente em uma escola maior, onde a diferença faz parte da rotina, mas ainda assim é segregada (como as garotas com síndrome de down sentadas sozinhas no pátio), sua postura parece mudar.
No final das contas, com todos os seus privilégios e seu isolamento auto-imposto, Mylia acaba por ser uma protagonista excessivamente exemplar, dentro dos padrões. Por outro lado, Jimmy, de quem pouco sabemos sobre sua vida e seu contexto familiar, embora utilizado largamente como token, talvez fosse um personagem mais interessante para ser protagonista de um filme que pretende retratar o outsider. De qualquer forma Uma Colônia, vencedor do Urso de Cristal de melhor filme na seção Generation Kplus no Festival de Berlim,instiga uma reflexão sobre os resultados dos processos coloniais e o faz com grande sensibilidade.
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