Estante da Sala

Interestelar (Interstellar, 2014)

Interestelar, dirigido pelo queridinho do público Christopher Nolan, é um filme que se beneficia muito da sala de cinema. A experiência de assistir em uma boa sala torna a obra grandiosa, mas ao sair, há pouco conteúdo para sustentá-la na memória. Passada uma semana da data em que o vi, já tenho a clara percepção do quão pouco memorável ele é.

Talvez seu maior problema foi ter pretendido, justamente, ser uma obra grandiosa. O drama de Cooper (Matthew McConaughey), ex-piloto da NASA que mora em um futuro desolado, onde a Terra precisa de fazendeiros e não engenheiros, mostra-se superficial. Ele abandona os filhos para juntar-se a uma NASA funcionando em frangalhos em busca de um território no espaço que pudesse ser repovoado pelos humanos. Sua filha, Murph (interpretada por Mackenzie Foy na infância e Jessica Chastain quando adulta) naturalmente se ressente dessa escolha, mas nada do que vem disso gera drama real, pois tudo se resolve facilmente.

A ação no espaço é razoavelmente boa. Há momentos bastante tensos e a ciência é utilizada de forma interessante para compor a ficção. Tudo é transparente e se por vezes os diálogos são excessivamente expositivos, pelo menos as regras do universo diegético são claras. Merecem destaque nos momentos de ação os robôs TARS e CASE, que funcionam como belos complementos aos seus companheiros humanos.

Se a primeira metade do filme é interessante e deixa o expectador com vontade de saber mais, a segunda desmorona sobre si mesma. As motivações não se sustentam e certas ações tem mão pesada dos roteiristas apenas para criarem ainda mais uma reviravolta. O personagem Dr. Mann (Matt Damon), por exemplo, tem motivações tão rasas e é tão unidimensional que é impossível comprar toda a sequência de acontecimentos que ele desencadeia. A morte de Professor Brand (Michael Cane) e a revelação por ele feita poucos momentos antes também soam clichês e desnecessárias.

A tentativa de injetar filosofia à trama é ineficaz. A alusão à Lei de Murphy relacionada ao nome de Murph é largada no meio do caminho e não leva a lugar algum. Mas o que dói mesmo é ouvir o discurso brega sobre amor de Brand (Anne Hathaway). Se até então o filme tentava usar ciência real como combustível de uma aventura espacial, aí houve uma tentativa de engrossar o roteiro com filosofia barata que não aguenta cinco minutos de análise.

No terço final, embora muitos tenham criticado, gostei do cubo pentadimensional. Ele força bastante a suspensão de descrença do espectador, mas funciona de forma poética e esteticamente agradável, que lembra o Nolan atento aos detalhes técnicos de A Origem. Mas a graciosidade desse mecanismo narrativo é jogada fora no final, em que a busca de toda uma vida se vê finalizada em meia dúzia de frases e em um desfecho aberto que não tem base ou fundamentação em nada do que aconteceu no filme até então.

Não é que o filme seja ruim: está longe disso. A fotografia é bonita, a trilha sonora de Hans Zimmer funciona muito bem, Cooper e Murph são personagens suficientemente cativantes (apesar de rodeados por seres unidimensionais) e a aventura no espaço, até determinado ponto do filme, é interessante e estabelece a possibilidade de criações de tramas satisfatórias (que nunca se concretizam). O problema de Interestelar é justamente querer ser mais que uma aventura espacial e um drama sobre a relação entre pai e filha. Ao propor uma filosofia de boteco como fator motivador e abraçar um final aberto insatisfatório, o que poderia ter sido uma trama bem executada rui pela falta de sustentação. É um filme bem feito, sem dúvida, e o elenco se sai bem com o material que lhe é dado. Talvez Nolan devesse mirar em alvos menos distantes ou, caso quisesse mesmo criar seu 2001, contratar roteiristas com mais conteúdo que seu irmão Jonathan Nolan e ele mesmo.

interstellar

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6 thoughts on “Interestelar (Interstellar, 2014)

  1. Oi Isabel, também fiquei extremamente frustrado com o filme, que tropeça na própria ambição e procura conclusões existenciais grandiosas e metafísicas, comprometendo a essência. Mas afinal, qual é a essência de Interstellar? Pelo menos para mim, era um filme que deveria ter o foco no drama do pai e da filha aliado a uma celebração esperançosa da capacidade do ser humano de transcender a sua limitada condição e produzir criações científicas, fortalecendo o conceito de humanidade e desafiando a natureza em benefício da espécie. Mesmo Kubrick, que era extremamente pessimista em relação ao ser humano, tinha na sua Odisseia Espacial o final mais otimista de sua filmografia. Nolan sempre se mostrou atraído em retratar uma natureza dúbia em seus personagens. Não chega a ser pessimista, mas um tanto sombrio. Porém o cineastra perde a oportunidade de realizar um eficiente longa que poderia mesclar elementos de “Contato” com “2001”, enriquecido de detalhes sobre relatividade e física quântica. Prefere, para cada ideia que lhe surge à cabeça, escrever um linha linha de diálogo solto que não se relaciona com o todo. O seu roteiro possui ideias suspensas que são pinceladas ao longo do filme, que apesar da duração, não consegue desenvolve-las bem e nem sequer desenvolver seus personagens como deveria. Consegue ser mais falho que “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, que pelo menos tinha um foco para o qual o roteiro rimava e convergia. E não foi a toa que quando falei sobre a essência de Interstelar eu fiz em forma de pergunta. Num filme sem foco como este, saímos do cinema ser ter certeza se entendemos o que era pra entender e imaginamos o que era para imaginar. Apesar de não ser de todo o ruim, é o pior de Nolan e fica marcado pela frustração.

    1. Perfeito. Pra mim é isso mesmo. Se tivesse mirado menos alto e focado no drama da relação entre pai e filha, que contava com atores que fizeram muito bem com o que receberam nesse sentido, acredito que poderia ter sido um filme mais eficiente.

    1. É um filme que merece ser visto no cinema pelas belas belas imagens. Vá sem medo e com mente aberta. Não se deixe influenciar pelas críticas e opiniões alheias. 🙂

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