Estante da Sala

Os Primeiros Longas de von Trier

Dando continuidade à análise da filmografia do diretor Lars von Trier, do qual já escrevi sobre os primeiros curtas de sua carreira, chego agora aos primeiros longas que produziu.

Pode-se dizer que Befrielsesbilleder (1982) é uma obra de transição e por isso também foi citado no texto anterior. Encaixa-se na proposta de seus curtas, mas já se relaciona estética e tematicamente com os filmes seguintes. Pode-se dizer que o começo de sua filmografia será marcada pelo monocromatismo, já aqui presente. O filme é dividido em três fases: vermelho, amarelo e verde. A história, sobre a Europa na II Guerra Mundial, indica o tema que vai marcar sua primeira trilogia, como falarei adiante.

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Fase vermelha de Befrielsesbilleder.
Fase vermelha de Befrielsesbilleder
Fase vermelha de Befrielsesbilleder.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fase amarela de Befrielsesbilleder
Fase amarela de Befrielsesbilleder.
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Fase amarela de Befrielsesbilleder.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fase verde de Befrielsesbilleder
Fase verde de Befrielsesbilleder.
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Fase verde de Befrielsesbilleder.

 

 

 

 

 

 

 

O próximo filme é Elemento de um Crime (1984), o primeiro da Trilogia Europa, que trata dos traumas do continente no passado e no futuro. Esse noir em sépia se passa em uma Europa distópica em que um detetive investiga assassinatos de um serial killer com auxílio de um veterano autor de um livro sobre como solucionar crimes. A chuva cai o tempo inteiro, criando um clima melancólico. Existe um desnível de hierarquia entre os personagens masculinos e os femininos, sendo que os primeiros são os que perpetram a violência. Em determinada cena essa diferença é salientada pelo fato de o protagonista estar completamente vestido, enquanto a mulher que lhe faz companhia está vulnerável, nua, sem nada para proteger-se. Há muita experimentação com o movimento de câmera e com os enquadramentos. Como em muitos filmes do diretor, ele faz uma pequena participação. Algumas rimas visuais perpassam a história e destaco o momento chave em que uma mulher quebra uma janela para fugir e posteriormente, uma garotinha faz o mesmo, ressaltando o papel de vilão daquele que lhes faz companhia.

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Elemento de um Crime e seu tom sépia.
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Lars von Trier, à direita, fazendo uma ponta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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As duas mulheres quebrando o vidro da janela, em momentos distintos, para fugir de quem se revela o vilão do filme.
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As duas mulheres quebrando o vidro da janela, em momentos distintos, para fugir de quem se revela o vilão do filme.

 

 

 

 

 

 

 

O filme seguinte, Epidemic (1987) cria uma meta-trama interessante, em preto e branco, com elementos de história, ficção científica e terror. Dois jovens roteiristas, Lars e Niels, interpretados por Lars von Trier e o roteirista Niels Vørsel, perdem o roteiro em que estavam trabalhando há um ano e meio e se fecham no apartamento por alguns dias para criar algo novo para mostrar aos investidores. Quando Niels datilografa o título “Epidemic” na folha de papel em branco, as letras aparecem uma a uma na tela, formando uma marca d’água que permanecerá até o fim do filme. A história por ele proposta é a respeito de um jovem idealista, em uma Europa medieval, que abandona sua fortificação pensando em buscar a cura para a praga que se espalha e, dessa forma, acaba por condenar sua cidade. Enquanto a narrativa avança, sinais apontados para o avanço da praga aparecem no momento contemporâneo aos autores, com consequências extremas ao final. Em se tratando de roteiro é o que se estrutura de forma mais arrojada dentre seus primeiro trabalhos.

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Niels escrevendo.
Marca d'água com o nome do roteiro e do filme
Marca d’água com o nome do roteiro e do filme.

 

 

 

 

 

 

Após Epidemic, vem um filme que não faz parte da trilogia Europa, uma fez que foi feito para televisão. Trata-se de Medea, baseado na personagem mítica grega que foi companheira de Jasão (dos Argonautas) e foi abandonada por ele com seus dois filhos, pois ele pretendia tornar-se rei ao casar-se com Glaucia, a filha de um rei. O roteiro é de Carl Theodor Dreyer e apesar das limitações técnica da mídia então, von Trier consegue construir um filme intenso e que utiliza a paisagem como ambiente mental da protagonista, da maneira como Dreyer fazia em seus filmes, como A Palavra. O sofrimento feminino, que aparece em obras posteriores de von Trier, aqui é derramado nas palavras da trágica protagonista: “Silenciosamente submissas em corpo e dever, que direitos tem as mulheres?” e “Se pelo menos os homens pudessem ter filhos sem mulheres”. O filme faz uso de projeções ao fundo da imagem, o que vai marcar seu trabalho seguinte.

A última parte da trilogia Europa é composta por Europa (1991), outro noir, dessa vez em preto e branco. A sua história se passa na Alemanha em 1945, logo após o fim da guerra e tem mais um protagonista idealista, que pretende ajudar mas se vê impotente. O jovem veio dos Estados Unidos para o país pensando em ajudar nesse período conturbando e acreditando, erroneamente, que conseguiria fazê-lo sem se envolver com a situação política. O clima é tão carregado de irrealidade que quase parece se tratar de uma distopia. Utilizando projeções, o diretor acrescenta cor em cenas que se mostram chave para a narrativa; e marca em vermelho elementos de grande importância. Em determinada cena, o casal conversa e apenas o homem é colorido quando ele está no controle do diálogo. No equilíbrio, ambos se apresentam em cor e quando, por fim, a mulher passa a dominar a negociação de poder, apenas ela se colore. Em outro momento, um personagem se corta e as gotas de seu sangue caem vermelhas na água da banheira, antecedendo uma sequência em que tudo adquire cor (apesar do cenário e figurinos preto e branco, antecipando uma enchente de vermelho.

Negociação de poder no diálogo representada através do uso de cores
Negociação de poder no diálogo representada através do uso de cores.
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Negociação de poder no diálogo representada através do uso de cores.
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Negociação de poder no diálogo representada através do uso de cores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Transição do preto e branco para o colorido, visando destacar o sangue
Transição do preto e branco para o colorido, visando destacar o sangue.
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Transição do preto e branco para o colorido, visando destacar o sangue.
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Transição do preto e branco para o colorido, visando destacar o sangue.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aliás, o uso de personagens agitando a placidez da água parada para se verem refletidos no espelho irregular que se forma, refletindo a sua própria agitação mental, é outro elemento visual recorrente desses filmes, presente em Elemento de um Crime, Medea e neste Europa. 

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Elemento de um Crime.
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Elemento de um Crime.
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Medea.
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Medea.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Europa.
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Europa.

 

 

 

 

 

 

 

 

O que todos estes filmes tem em comum, além da temática relacionada ao continente europeu, é um grande rigor estético por parte de Lars von Trier, bem como grande experimentação em termos técnicos, típica de um jovem diretor em busca de uma linguagem própria.

Para saber mais sobre a obra de Lars von Trier, ouça o podcast do Cinema em Cena sobre o diretor.

 

 

 

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